DESCOBERTO UM FRAGMENTO DO EVANGELHO
ENTRE OS DOCUMENTOS DO MAR MORTO
Um evento de uma importância histórica sem precedentes acaba de se dar, quando o papirólogo alemão Carsten Peter Thiede identificou entre os documentos encontrados na gruta 7 de Qumran, o mais antigo fragmento do Evangelho, no caso o evangelho de Marcos. Mais precisamente se trata dos versículos 52-53 do capítulo 6 deste evangelho. Outra papiróloga, a mais conceituada, confirma em caráter definitivo esta descoberta. Thiede foi mais além; examinou três fragmentos de um códex conservados na Universidade de Oxford, do evangelho de Matheus, capítulo 26, e os fez examinar pelo processo do Carbono 26, afim de determinar a sua idade que foi fixada no início do primeiro século da nossa era, em torno de 40 e 70dC. Como este manuscrito é escrito em forma de livro, isto indica que o evangelho é bem mais antigo pois os originais eram apresentados sob a forma de rolos. Além disto o conteúdo dos evangelhos se referem ao templo antes da destruição, isto é, mesmo antes de 41, isto é, a época de Herodes Antipas citado pelos evangelistas que ignoram totalmente Herodes Agrippa, rei da Judéia de 41 a 44dC, enquanto que o primeiro é situado entre 22 e 29dC.
Claude Tresmontant, da Sorbonne, defende a tese de que os evangelistas, foram contemporâneos de Jesus e verdadeiros repórteres da sua existência. Esta tese derruba a tese da teologia oficial segundo a qual os evangelhos foram escritos muito tempo depois da morte de Jesus. Estas descobertas reforçam ainda mais a versão histórica da existência de Jesus.
Muito mais que isto; a descoberta integra Jesus à história de Israel. Pois como se sabe, a Escola dos Essênios era uma das correntes religiosas de Israel, ao mesmo título que os Saduceus e Fariseus. O seu mosteiro se situa à beira do Mar Morto em Qumran. Foi perto de lá que, em 1947, um beduíno de uma tribo nômade encontra dentro de grutas o que é conhecido hoje como os documentos do mar morto. Até agora, estes documentos continham entre outros, trechos do antigo testamento. Isto provocou grande entusiasmo nos meios religiosos judaicos, pois são os mais antigos documentos da Bíblia, sem os Evangelhos. Até. Agora inexistia prova histórica de qualquer ligação ou conhecimento de Jesus pelos praticantes da religião judaica da época.
A presença do evangelho junto aos documentos do Mar Morto, confirma o conteúdo dos Evangelhos, segundo os quais Jesus era filho de Judeus e era Rabino. Aliás, nos próprios documentos do Mar Morto, é descrita a existência, uns 100 anos antes da nossa era, de um mestre essênio, chamado o "Doutor dos Justos", e que teria sido torturado pelos Romanos. Este fato levanta a hipótese de que Jesus teria sido também um mestre essênio. É uma conjectura plausível. Entretanto seria mais provável que João Batista tenha sido iniciado ou feito parte dos Essênios, já que os documentos do Mar Morto descrevem o baísmo como um dos seus rituais. Seria mais razoável admitir que Jesus tenha sido iniciado pelos terapeutas, descritos por Filon de Alexandria. Vamos descrever a seguir esta escola dos terapeutas que Filon relatou depois de falar da vida dos Essênios. Depois examinaremos a hipótese de Jesus com Terapeuta.
As palavras terapia e terapeuta fazem parte do nosso vocabulário corriqueiro; terapia é o processo de cura enquanto um terapeuta é a pessoa ou o agente de cura. O dicionário Aurélio define a terapêutica como "parte da medicina que estuda e põe em prática os meios adequados para aliviar ou curar as doenças".
Na sua origem os terapeutas não eram médicos; eram membros de uma escola judáica, o mesmo título que o dos Essênios, que existia antes e durante a época de Jesus. Era espalhada em várias regiões do mundo, sendo o centro mais expressivo situado no Egito, em Alexandria. A sua vida é descrita pelo filósofo e rabino grego, Filon de Alexandria cuja tradução em português com comentários está sendo publicada pela Editora Vozes a partir do livro de Jean-Yves Leloup intitulado "Cuidar do ser". Pois é disto que se trata; eles cuidam do ser. Filon os descreve como sendo filósofos cuja profissão é superior a dos médicos pois a medicina comum às cidades daquela época "só cuida do corpo, enquanto a outra cuida também do psiquismo (psukas), preso por estas doenças penosas e difíceis de curar que são o apego ao prazer, a desorientação do desejo, a tristeza, as fobias, as invejas, a ignorância, o desajustamento ao que é e a multidão infinita das outras patologias (pathon) e sofrimentos". Eles se aproximariam mais dos nossos psicoterapeutas se não fosse o seu alto grau de desenvolvimento e evolução espiritual que faz deles seres plenos de aspiração divina, de lucidez de desapego completo por bens materiais e de "entusiasmo" que os leva a uma vida contemplativa, porém com prudência e sabedoria.
Tudo indica que a etimologia da palavra terapia se encontra além do grego, na língua hebraica. Quem levanta esta tese é um rabino contemporâneo Marc-Alain Ouaknin que acaba de publicar uma introdução à meditação hebraica. O autor nos mostra que a palavra hebraica Teroupha significa cura; Ele ressalta a analogia fonética entre Terapia e Teroupha, e consagra um capítulo inteiro sobre este assunto. Através de uma análise fonética mais aprofundada, que não cabe aqui, este rabino faz um paralelo com a psicanálise, mostrando que uma das interpretações dadas é desligar a palavra presa por não ter mais espaço para se expressar, o que dá origem a neurose e o conseqüente sofrimento. Se trata de desatar um nó.
Assim sendo, podemos constatar que já na época de Alexandria havia uma distinção entre medicina do corpo e medicina psicossomática e espiritual. A história se repete...
Uma das perguntas que podemos nos fazer é referente à semelhança entre a prática de cura de Jesus e a contemporaneidade da Escola dos Terapeutas. Terá sido Jesus formado nesta escola judaica? Era Jesus um Terapeuta? É o que vamos examinar a seguir.
Há certos pormenores essenciais a respeito da vida de Jesus e da sua origem que foram um tanto relegados ao esquecimento por razões que não cabe discutir aqui; me refiro particularmente ao fato de que Jesus era judeu e considerado como rabino pelos seus discípulos. O seu nome era judaico, Yeshoua Ben Iossef; a sua mãe Maria se chamava na realidade Míriam.
Dentro deste contexto pode melhor entender a vida de Jesus e fazer algumas hipótese plausíveis a respeito da sua formação e influências recebidas neste misterioso período entre a sua adolescência e maturidade. O nosso objetivo aqui é examinar a hipótese que nos ocorreu há muito tempo quando lemos a primeira tradução da obra de Filon de Alexandria intitulada como já o vimos: Os Terapeutas.
A nossa hipótese é de que Jesus, entre outras influências possíveis, foi iniciado pelos Terapeutas, cuja maior escola se encontrava no Egito, em Alexandria. Vamos enumerar os fatos que nos levam a emitir esta hipótese. É claro que o espaço de um artigo não é suficiente para uma ampla demonstração da plausibilidade de nossa hipótese. Pessoas mais competentes poderão fazer de modo mais adequado; é o nosso voto.
Jesus era contemporâneo da Escola dos terapeutas pois era contemporâneo de Filon de Alexandria. Filon nasceu entre 20 e 10 antes da nossa era e morreu entre 39 e 40 depois do início da nossa era.
Os pais de Jesus tinham relações com Judeus do Egito, já que é para lá que se refugiaram com o menino ameaçado de morte pelo governador romano. Seria bastante razoável que, diante das capacidades espirituais e da sabedoria precoce deste menino que surpreendeu os rabinos, os pais tenham sido aconselhados pelos mesmos rabinos a se aperfeiçoar nos Terapeutas.
Jesus de fato curava e mesmo realizava curas vistas como milagrosas. Uma das sua últimas recomendações para os seus discípulos foi de curar pelas mãos. É o único carisma que ele recomendou desenvolver. Ora sabemos hoje, através da observação de pessoas que possuem o dom de curar, que elas fazem isto em estado de amor; isto é, que o que realmente cura, é a energia amorosa. O artigo 12 do tratado de Filon de Alexandria diz textualmente: "Os que se tornam terapeutas não os fazem movidos pelo hábito nem pela exortação ou solicitação de outrem, mas num impulso de amor divino".
Aliás toda a vida dos Terapeutas está cheia de semelhanças com o que Jesus recomendava, a tal ponto que os Padres do Deserto e Orígenes se inspiraram desta escola, considerada também como a fonte ou origem dos monasterios hesychastes da Igreja Ortodoxa.
Entre os ritos figuram danças sagradas, tais como existiam e são descritos no antigo testamento no tempo de Moisés. Homens e mulheres cantavam e dançavam louvores ao Eterno, ao Ser. Existe um texto apócrifo de João descrevendo Jesus dançando com os seus discípulos antes da sua despedida.
Mesmo se a nossa hipótese não for confirmada, restará o fato de que Jesus foi um grande Terapeuta, pois além de cuidar do sofrimento físico alheio, procurou realizar a Terapia de toda a humanidade, através da sua constante recomendação de alcançar o nível Transpessoal da consciência que ele chamava de "Reino do Pai". E para alcançar este reino, um mandamento bastava: "Amai-vos uns aos outros como eu vos amei".
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