Augusto Cury, psiquiatra e
cientista, conta por que resolveu analisar a inteligência de Cristo e o que
essas descobertas revelaram sobre a personalidade do homem que dividiu a
história.
Cristo foi o mestre da
sensibilidade. Conseguia perceber os sentimentos mais ocultos das pessoas que o
rodeavam e, ao mesmo tempo, sabia proteger sua emoção quando as pessoas o
frustravam. Ele viveu um ambiente agressivo e estressante, mas era livre, alegre
e seguro no território da emoção. Por que Cristo, apesar de ter tido todos os
motivos para adquirir depressão e ansiedade, não as
teve?
Capacitado para responder essas
e outras perguntas sobre a personalidade de Jesus de Nazaré, vista pelo prisma
científico, o psiquiatra Augusto Jorge Cury estudou a fundo as reações do Mestre
diante das mais diversas situações e lançou a coleção “Análise da Inteligência
de Cristo”, dividida em “O Mestre dos Mestres”, “O Mestre da Sensibilidade”, “O
Mestre da Vida”, “O Mestre do Amor” e “O Mestre Inesquecível”. Na série
literária, o escritor, pós-graduado em Psicologia Social, com pesquisa na
Espanha na área de Ciências da Educação, avalia a personalidade humana do
personagem que dividiu a história.
Apesar de serem cinco livros com
títulos diferentes, o enfoque central de todos eles é a habilidade que Jesus
Cristo teve sobre suas emoções, para conduzi-las, organizá-las e dominá-las,
quando necessário. Partindo da psicologia, Cury acredita ser Jesus a pessoa mais
interessante que já passou por esta terra.
Além de psicanalista, o autor é
psiquiatra, psicoterapeuta, cientista e fundador do Instituto Academia de
Inteligência, que promove seminários, cursos e treinamento sobre qualidade de
vida e desenvolvimento da inteligência lógica, emocional e multifocal para
empresas, profissionais liberais, educadores, psicólogos e público em
geral.
Augusto Cury é também um dos
mais conceituados autores de livros de auto-ajuda da atualidade. Entre seus
sucessos estão “Inteligência Multifocal” e “Treinando a Emoção Para Ser Feliz”.
O cientista também é autor de “Você é Insubstituível”, “Dez Leis Para Ser Feliz”
e “Revolucione Sua Qualidade de Vida”. Ultimamente, seu livro “Pais Brilhantes,
Professores Fascinantes” circula entre os mais vendidos nas listas das mais
conceituadas revistas brasileiras.
Suas obras são lançadas em
vários países, adotadas em universidades e utilizadas em pesquisas e teses de
pós-graduação em Psicologia, Sociologia e Ciências da
Educação.
O que existe de particular
na personalidade do homem Jesus Cristo? Ele era harmonioso,
manso, gentil, observador, simples, ousado, feliz, poético e inteligentíssimo.
Nunca analisei alguém como Jesus Cristo. Algumas de suas características fogem
completamente ao padrão psicológico previsível. Sua personalidade revelava uma
sinfonia que rimava nos extremos. Ao prever sua morte, Ele, como qualquer ser
humano, devia bloquear sua memória e reagir por instinto, expressando medo e
ansiedade. Mas, para espanto da psiquiatria, Cristo abria as janelas da sua
inteligência e gerenciava seus pensamentos como ninguém o fez na
História.
E quais foram suas
particularidades mais marcantes? Na sua natureza humana
escondem-se as coisas mais belas e de que mais precisamos: a virtude em suportar
infortúnios, o respeito ao direito que os outros têm de agir, a capacidade de
superação do medo, a simplicidade, domínio próprio, o diálogo aberto, a
capacidade de perceber o belo nas pequenas
coisas.
Averigua-se bastante sobre
o que Jesus teria feito entre os 12 e os 30 anos, quando iniciou sua trajetória
pública. Na sua opinião, o que aconteceu com ele naquele
período? A pergunta é tão complexa
que perturbou teólogos e pensadores de todos os séculos. Dos 12 aos 30 anos,
Jesus não viajou para outras regiões em busca de conhecimento. Ele ficou nas
imediações de Nazaré por 18 anos e, nesse período, investigou, em segredo, o seu
próprio ser, analisou suas experiências e as limitações humanas. Ele aprendeu a
ser um homem espetacular. Foi o Mestre dos mestres porque soube aprender.
Conhecer um fato é diferente de vivê-lo. Como Deus, Ele conhecia a ansiedade, a
discriminação social e as aflições humanas, mas nunca as tinha
vivido.
Em que momento Ele foi
unicamente humano? Jesus tinha aflições
humanas quando suas experiências eram totalmente humanas, como cair, alcançar
pessoas, ser repudiado, superar sua angústia no Getsemani; mas tinha a certeza
divina nas questões que envolviam sua natureza transcendental. Por isso,
discorria sobre a superação da morte e sobre a eternidade com uma convicção que
deixa perplexo até os mais racionais
cientistas.
Cristo era um homem “do
povo” e atraía as multidões. Na Bíblia, podemos vê-lo rodeado de seguidores,
pessoas interesseiras e até bajuladores, em certas situações. Como Ele lidava
com isso? Todo ser humano tem
limites, devendo cuidar da qualidade de vida para não prejudicar sua saúde.
Costumamos viver extremamente estressados e com diversos sintomas
psicossomáticos, como dores de cabeça e musculares, cansaço. Esses sintomas se
devem à tensão diária, trabalho excessivo e responsabilidades sociais. Jesus não
era diferente. Todos os dias, pesava sobre ele a responsabilidade de resgatar a
humanidade para Deus. Ele era incomodado, discriminado e, ainda por cima, tinha
que desculpar e ser tolerante, não apenas com seus inimigos, mas também com seus
amigos. Os discípulos não enxergavam seu plano metafísico e freqüentemente
discutiam e entravam em disputa. Mas, pelo fato de saber filtrar tais estímulos,
além de proteger sua emoção, Jesus tornou-se uma pessoa tranquila, capaz de
convidar as pessoas a aprender com Ele a arte da
mansidão.
E o que dizer sobre o
impreciso assédio feminino? Com respeito à
sexualidade, Jesus superou seus instintos porque o amor que fluía do seu ser
transcendia ao prazer da sexualidade. Além disso, Ele nunca se encontrava com
mulheres em lugares fechados ou isolados, mas em lugares públicos, abertos. Ele
amou muito cada ser humano, inclusive as prostitutas, e cuidou para nunca
ferisse a consciência de ninguém.
Muita gente, baseada em
representações artísticas, acredita que Jesus foi uma pessoa frágil e sofredora.
Tal conceito corresponde ao que Ele era? Tenho convicção de que
não. Jesus transbordava alegria, gostava de festas. Ao redor de uma mesa, Ele
disse belíssimas palavras. Do ponto de vista psiquiátrico, eu não creio que seja
possível se ter uma emoção mais alegre, serena e estruturada como a de Jesus
Cristo.
O que o levou a escrever a
coleção “Análise da Inteligência de Cristo”? Poucas pessoas foram tão
longe no ateísmo como eu. Por pesquisar a construção de cadeias de pensamentos e
a gênese dos conflitos humanos, eu considerava Deus, bem como Jesus Cristo, como
desculpa do cérebro que não aceitava seu fim. Para mim, Deus era um produto
imaginário da psiquê, para aliviar sua dor diante das frustrações e perdas
existenciais e da inevitabilidade da morte. Mas duas coisas mudaram meu
pensamento. Primeiramente, ao estudar exaustivamente o funcionamento da mente
humana, descobri que ela tem fenômenos que superam os limites da lógica. Para
produzir um pensamento, entramos na memória e em meio a trilhões de opções
resgatamos verbos, substantivos e pronomes, sem saber como fazemos. A construção
de cadeias de pensamentos não pode ser explicada pelo universo físico-químico
cerebral, pelo computador biológico do cérebro. Compreendi que só a existência
de um Deus fantástico poderia explicar o anfiteatro da nossa inteligência. O
segundo momento foi o estudo das reações, dos pensamentos e das entrelinhas das
idéias de Jesus. Compreendi que era impossível que Ele fosse fruto de uma
ficção. Nenhum autor poderia construir uma personalidade como a d’Ele, que
ultrapassa os limites da previsibilidade psicológica. Amá-lo não é apenas um ato
de fé, mas uma decisão de muita
inteligência.
É possível fazer tal
estudo baseado, exclusivamente, nas informações contidas nos Evangelhos? Os
relatos bíblicos não conteriam narrativas com elementos fantásticos
demais? Há mais de cinco mil
manuscritos do Novo Testamento existentes até hoje, o que o torna o mais bem
documentado dos escritos antigos. Muitas cópias pertencem a uma data próxima dos
originais. Todos esses dados, somados ao trabalho intelectual produzido pelos
estudiosos da paleografia, arqueologia e crítica textual, nos asseguram de que
possuímos um texto fidedigno do Nov Testamento. É necessário imergir no próprio
texto e interpretá-lo de maneira multifocal e isenta, tanto quanto possível, de
paixões e tendências. Foi o que procurei fazer. Questionei os mais diversos
níveis de coerência intelectual dos autores dos Evangelhos e dos textos que
escreveram.
Nas suas obras, o senhor
fala sobre intenções conscientes e inconscientes dos autores dos Evangelhos,
para provar que o personagem Jesus não seria apenas uma criação literária. Quais
eram essas intenções? Os autores dos Evangelhos
não tinham a intenção de fundar uma filosofia de vida, de promover um herói
político, ou construir um líder religioso – nem mesmo criar um homem diante do
qual o mundo deveria se curvar. Queriam registrar fatos, mesmo que
incompreensíveis, de uma pessoa que revolucionou suas vidas e os ensinou a
linguagem do amor. Se os Evangelhos fossem frutos da imaginação literária desses
autores, eles não falariam mal de si mesmos, não comentariam a atitude vexatória
que tiveram ao negá-lo, como fez Pedro. Eles teriam mesmo escondido a angústia
de Cristo, que clamava ao seu Pai para que afastasse de si seu
cálice.
Jesus tinha uma forma
própria de transmitir conhecimento aos seus discípulos. O senhor afirma, em suas
obras, que muitos desses pressupostos estão sendo desprezados pelos educadores
modernos. Por quê? Estariam ultrapassados? Jesus não enfileirava
seus discípulos, mas os fazia sentar ao redor de si e os instigava a desenvolver
a arte de pensar. Ele era, sim, um excelente contador de histórias. Usava a arte
da dúvida. Através de perguntas sistemáticas, fazia abrirem-se as janelas da
mente dos seus discípulos. Atuava nos papéis de memória através de gestos e
reações surpreendentes. Essas e outras técnicas psicopedagógicas que Ele usou
produziram pensadores, e não servos; homens livres, e não dominados. Jesus
mesclava a sua história com a dos discípulos. Ele eliminava todas as barreiras
entre eles. Discorria até sobre suas
angústias.
Se ainda vivesse, como
homem, no meio de nós, como Jesus Cristo seria visto pela psicologia
moderna?Nos dias de hoje, as
palavras de Jesus não apenas abalariam os alicerces da psiquiatria, mas também
das ciências, da educação. Ele deixava atônitas suas plateias. Seus discípulos
não tinham cultura, eram agressivos, competitivos, reagiam sem pensar. Ele
escolheu a pior estirpe de homens para segui-lo e os transformou não apenas em
discípulos, mas na casta mais nobre de
pensadores.
Alguns teólogos defendem a
idéia de que Jesus não teria realizado milagres ou só teria feito alguns deles,
que poderiam ser explicados naturalmente pela ciência. Sem a manifestação de
poder sobrenatural, Ele teria conseguido exercer tamanha influência na sociedade
de sua época? Analisando as biografias
de Cristo, me convenci de que os milagres que Ele realizou não foram eloqüências
literárias, nem delírio coletivo, e muito menos ilusão das pessoas que o
cercavam. Ele fez coisas inimagináveis. Se Einstein estivesse lá analisando a
maneira como Jesus manipulava os fenômenos físicos, teria de rever a teoria da
relatividade. Mas Jesus mudou a história da humanidade muito mais pelo seu
comportamento do que pelos seus milagres. Por exemplo, quando Pedro o negou pela
terceira vez, o Mestre, embora estivesse ferido e mutilado, esqueceu sua dor e
fitou-o com um olhar. Pedro disse que não o conhecia e Jesus, com um olhar,
revelou que jamais o esqueceria. São esses comportamentos, que muitas vezes
passam despercebidos, que revelam uma pessoa
surpreendente.
Alguns estudiosos
acreditam que Cristo sofria depressão, baseados em comportamentos como o que
teve no jardim do Getsemani. O senhor
concorda? A depressão é o último
estágio da dor humana. Só cabe o seu drama que já a viveu. Jesus não teve
depressão no Getsêmani, mas uma reação depressiva intensa que durou horas. Ele
antecipou seu martírio e o vivenciou na sua mente. Fez isso para se preparar
para suportar o que viria. Ele iria ser espancado, mutilado e crucificado, e
mesmo assim teria de agir com mansidão, doçura e perdão, como um cordeiro. Era
uma exigência insuportável. O estado de estresse a que estava submetido foi tão
violento que ele teve um sintoma psicossomático raríssimo na medicina, chamado
hematidrose, que é o suor sanguinolento. Ele sofreu em poucas horas mais do que
qualquer pessoa numa grave crise depressiva. Só que, diferentemente da grande
maioria das pessoas, inclusive intelectuais e líderes cristãos, Ele não escondeu
a sua dor, mas a compartilhou com Pedro, Tiago e João, mesmo sabendo que eles o
abandonariam horas depois. Com tal gesto, Ele nos mostrou que não podemos
maquiar nosso sofrimento, mas devemos sempre ter alguns amigos para poder
dividi-lo. Infelizmente, não poucos pastores, padres, executivos e médicos se
calam diante da sua dor, se destroem e até cometem suicídio porque têm vergonha
de falar dos seus sentimentos.
No meio evangélico, muito
se discute sobre a incompatibilidade entre a psicologia e a fé cristã.
Acredita-se que o crente não precisa de assistência psicológica, visto que sua
fé em Deus seria capaz de eliminar todos os problemas. Qual sua opinião sobre
esse debate? No fundo, todos nós
estamos doentes em nossa psique; todos temos transtornos emocionais. Podemos não
estar doentes por doenças catalogadas na psiquiatria e na psicologia, tais como
a síndrome do pânico, a depressão, o transtorno obsessivo, a fobia social. Mas
estamos doentes em nossa capacidade de amar, respeitar, dialogar, tolerar erros,
superar a solidão, vencer a culpa, governar nossos pensamentos, gerenciar nossa
irritabilidade. Jesus nunca fez milagres na alma, mas somente no mundo físico e
no corpo humano. Algumas doenças, como fobias ou conflitos sociais, resolvem-se
mais rapidamente; mas outras, como os transtornos obsessivos, que são idéias
fixas, têm solução muito mais lenta. Quem não conseguir superar uma doença
psíquica através de sua fé deve procurar ajuda, sem medo ou
culpa.
Então, qual deve ser o papel do terapeuta
cristão? Um bom psiquiatra ou
psicólogo não faz milagre na personalidade das pessoas – apenas leva o paciente
a usar as próprias ferramentas da sua psique, que foram criadas por Deus, para
que ele deixe de ser vítima e passe a ser autor da sua
história.
O senhor acredita que o
crente tem mais possibilidade de ser feliz? Alguém que pratica a fé
tem mais possibilidade de ser saudável e feliz. Alguém que incorpora as
características da humanidade de Jesus Cristo transforma a sua vida num canteiro
de segurança e liberdade. Mas ninguém tem um jardim sem espinhos, uma estrada
sem obstáculos. Não há gigantes na alma humana; todos somos aprendizes e
sujeitos a conflitos. Mas quem passa por um conflito e o supera torna-se mais
belo interiormente e pode ser mais útil para Deus e para os
homens.
Além da coleção “Análise
da Inteligência de Cristo”, o senhor é autor de outras obras, como “Revolucione
Sua Qualidade de Vida”, na qual analisa diversos tipos de doenças e fobias. Por
que livros como esses, que podem ser classificados na categoria chamada
auto-ajuda, têm feito tanto sucesso, inclusive no mercado
evangélico? À medida que se deteriora
a qualidade de vida nas sociedades modernas, as pessoas, incluindo os cristãos,
procuram ansiosamente por informações que as ajudem. É isso que promove o
sucesso dos livros de auto-ajuda. Embora alguns dos meus livros estejam
classificados na categoria de auto-ajuda, eles são de divulgação científica.
Valorizo o desenvolvimento do pensamento mais profundo. Cristo foi quem foi por
ser mestre em ajudar as pessoas dessa forma. E Ele é muito maior do que nossa
religiosidade consegue imaginar.
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