A criança nasce na família e no local profetizados séculos antes e uma
estrela se desloca para indicar em que parte do mundo uma virgem deu à luz o
Filho de Deus, o Messias. Aos doze anos, o menino Jesus discute a lei de seu
povo — os judeus — com os sábios do Templo. Corte brusco. O personagem
reaparece com trinta anos de idade, sendo batizado e iniciando a fase de
pregação. Seus ensinamentos reafirmam a doutrina mosaica, mas incluem preceitos
revolucionários, como o perdão aos inimigos. E faz milagres: transforma água em
vinho, multiplica alimentos, levita, transfigura-se, conversa com espíritos,
cura doentes. Afinal, ressuscita a si próprio, antes de ascender ao céu.
Entre uma imagem e outra, o que aconteceu no tempo que passou? Os quatro
narradores "oficiais" dessa história (Mateus, Marcos, Lucas e João)
se contradizem, talvez por a Bíblia ter sido escrita muito tempo depois dos
eventos, com base em textos mais antigos e na tradição oral.
Em cima das contradições e omissões, formularam-se hipóteses a respeito
da vida secreta de Jesus. Algumas delas foram, em parte, confirmadas por outras
fontes, como os manuscritos do mar Morto, descobertos em 1947.
Pode-se então especular sobre o aprendizado de Jesus (que na certa não se deu
na casa do carpinteiro José e da jovem Maria), sua vida dos treze aos trinta
anos, o caráter parapsicológico dos milagres, a morte na cruz, a sobrevivência
ao martírio e até suas ligações conjugais.
Essênios, fariseus e saduceus constituíam as seitas em que se dividia o
judaísmo na época de Jesus. Os primeiros distinguiam-se dos demais por
conservarem as tradições e o sistema de vida dos profetas. Tinham dois núcleos
principais: um no Egito, à margem do lago Maoris, e outro na Palestina, em
Engaddi, ao lado do mar Morto. Sua missão era curar doenças do corpo e da alma
— o nome "essênio" provém do termo sírio asaya, que significa
terapeuta.
Conforme espiritualistas de diversas correntes, Jesus, se não foi um
essênio, pelo menos manteve contato com eles. O teósofo francês Édouard Schuré
(1841-1929) afirma que Maria, mãe de Jesus, era essênia e destinara seu filho,
antes do nascimento, a uma missão profética. Seria por isso chamado nazareno ou
nazarita, como os outros meninos consagrados a Deus.
Harvey Spencer Lewis, dirigente máximo da Ordem Rosacruz das Américas do
Norte, Central e do Sul, nas primeiras décadas do século XX, também afirma a
origem essênia de Jesus. Segundo ele, Maria e José eram gentios (habitantes da
Galiléia considerados "estrangeiros" pelos palestinos) pertencentes à
Fraternidade Essênia, embora formalmente ligados à fé mosaica, de acordo com as
leis locais.
A descoberta, em 1947, de antigos manuscritos em grutas próximas ao mar
Morto — os "rolos do mar Morto" — reforçou essas hipóteses, mostrando
com mais clareza o enraizamento da igreja cristã primitiva na Fraternidade
Essênia.
No início dos anos 50, o arqueólogo inglês G. Lankester Harding, diretor
do Departamento Jordaniano de Antiguidades, publicou um informe sobre o
conteúdo dos seiscentos manuscritos e milhares de fragmentos encontrados no mar
Morto. Diz ele que "a revelação mais espantosa contida nos documentos
essênios até agora publicados é que a seita possuía, anos antes do Cristo,
terminologia e prática que sempre foram consideradas especificamente cristãs.
Os essênios praticavam o batismo e compartilhavam uma ceia litúrgica, de
pão e vinho, presidida por um sacerdote. (...) Muitas frases, simbolos e
preceitos semelhantes aos encontrados na literatura essênia estão no Novo
Testamento, particularmelte no Evangelho de João e nas epístolas de Paulo.
(...) É significativo que o Novo Testamento não mencione uma única vez os
essênios, embora lance freqüentes ataques a outras seitas importantes, a dos
saduceus e a dos fariseus".
As evidências não param ai. E, em função delas, muitos estudiosos
concluíram que a Igreja prefere não as considerar, porque as doutrinas que
desenvolveu não se coadunam com o esoterismo dos essênios e, sobretudo, com sua
crença na reencarnação.
A ligação de Jesus com os essênios constitui a chave para a compreensão
do mistério que envolve sua vida dos treze aos trinta anos. Segundo
ensinamentos esotéricos, nesse período o jovem essênio foi preparado para se
tornar o habitáculo humano do Cristo, do Messias esperado não só pelos
iniciados do mundo inteiro, mas por todos os israelitas. Inconformados com a
vassalagem a Roma, os eleitos de Deus confiavam na vinda do Salvador.
A preparação de Jesus incluiu o estudo profundo das antigas religiões e
das diversas seitas que influenciaram o desenvolvimento da civilização. Sua
primeira e distante escola teria sido a India. Do monte Carmelo, na Palestina,
onde se recolhera com os essenios, dirigiu-se com dois magos até Jaganate —
atual Puri —, localidade que por séculos fora centro do budismo. Ali permaneceu
por um ano, entre os mais sábios instrutores da doutrina do Buda.
Ao deixar Jaganate, Jesus visitou o vale do Ganges, parando por vários
meses em Benares, onde começou a se interessar pelos métodos terapêuticoS
hindus. Recebeu orientação de Udraka, considerado o maior de todos os
curadores. Em seguida, percorreu diversas regiões indianas, tomando contato com
a arte, as leis e a cultura de seus povos. Retornou a Jaganate para uma
permanência de mais dois anos. Seu progresso foi tão notável que recebeu a
incumbência de instruir, por meio de parábolas, os habitantes da pequena cidade
de Katak.
Ao completar seus estudos na Índia, Jesus viajou para Lhasa, no Tibete,
entrando em contato com Meng-Tsé, reputado como o maior de todos os sábios
budistas. Dirigiu-se em seguida para Persépolis, na Pérsia (atual Irã), onde
viviam os magos mais eruditos do país — conhecidos como Hor, Lun e Mer. Um
deles, já bem velho, estivera na Judéia por ocasião do nascimento de Jesus,
levando-lhe presentes do mosteiro persa. Sábios do país inteiro acorreram para
trocar conhecimentos com o essênio. Foi nesse ponto da viagem que os poderes
terapêuticos de Jesus se manifestaram.
Depois de um ano na Pérsia, ele e seus guias seguiram para a região do
rio Eufrates, onde confabularam com os maiores sábios da Assíria. Já então o
jovem Jesus se revelara um intérprete privilegiado das leis espirituais. Com seus
aperfeiçoados poderes e métodos de cura, atraiu multidões nas aldeias da
Caldéia e das regiões situadas entre os rios Tigre e Eufrates.
Em direção ao ocidente, Jesus atravessou a Babilônia, tomando
conhecimento das provações sofridas pelas antigas tribos de Israel, quando
levadas para o cativeiro. Esteve alguns meses na Grécia, sob o cuidado pessoal
de Apolônio de Tiana, filósofo influenciado pela religião egípcia que o colocou
em contato com pensadores atenienses e escritos antigos da cultura grega. Depois
o nazarita cruzou o Mediterrâneo e chegou a Alexandria, para uma curta
permanência. Visitou antigos santuários e conversou com mensageiros especiais
que o aguardavam.
Agora Jesus se iniciaria nos mistérios, da Grande Fraternidade Branca,
em Heliópolis. Essa organização, fundada por ancestrais de Amenófis IV, faraó
do Egito, tivera desde sua origem a missão de congregar as pessoas mais sábias
do país para discutir, analisar e preservar o Grande Conhecimento. Nos dez
séculos anteriores ao Cristo, ramos da Grande Fraternidade Branca
estabeleceram-se com denominações diversas em várias partes do mundo — e um
deles eram os essenios.
Na etapa propriamente iniciática de sua preparação, Jesus passou por
todas as provas que lhe confeririam o título de Mestre. Os últimos estágios
transcorreram nas câmaras secretas da Grande Pirâmide, hoje conhecida como
pirâmide de Quéops. Ali se realizou a primeira das ceias do Senhor. Após essa
festa simbólica, de todos os pontos do Egito partiram mensageiros para
proclamar a vinda do Salvador e anunciar o início de sua missão.
Quando o Cristo despontou para o mundo, sua fama cresceu vertiginosamente.
Durante três ou quatro anos ensinou e realizou milagres na Palestina e, se os
registros merecem crédito, conseguiu inúmeras e fantásticas curas. Seus
seguidores consideravam-no o Messias, o Filho unigênito de Deus, cuja vinda
fora anunciada pelos profetas.
Não podiam, contudo, aceitar seus ensinamentos no tocante ao caráter
espiritual do Reino de Deus. Esperavam vitórias bélicas ou políticas sobre os
romanos e ficaram estarrecidos quando o Cristo aceitou sem resistência sua
execução.
Para os representantes da religião judaica, cuja autoridade ele desafiou, o
filho de José e Maria era um indivíduo arrogante e perigoso, que poderia causar
problemas com seus dominadores temporais, os romanos. De acordo com o
Evangelho, a situação atingiu seu clímax na festa da Páscoa, quando os chefes
dos sacerdotes pactuaram com um hesitante governador romano para supliciar
Jesus até a morte.
Deveria ter sido o fim de tudo. No entanto, na grande festa seguinte,
Pentecostes, os seguidores do Cristo proclamaram que seu Mestre havia
ressuscitado—com seu corpo físico—dentre os mortos. Saíram então pelo mundo,
pregando com tal convicção que, num decênio, uma nova religião (o cristianismo)
difundiu-se por quase todo o Império Romano.
O exame dos acontecimentos milagrosos relatados no Novo Testamento deve
levar em consideração pelo menos três elementos: os registros, a verdade ou a
falsidade de todos os fatos narrados e sua interpretação. Com exceção de uns
poucos fragmentos, os manuscritos mais antigos do Novo Testamento datam do
século IV d.C. e são cópias de cópias.
Parte do trabalho de estudiosos dos textos consiste em reconstruir os
registros originais, por meio da comparação e compilação dos manuscritos
remanescentes e da eliminação de erros, acréscimos e anotações de copistas e
glosadores (intérpretes). O Evangelho de Marcos (Mc) foi escrito por volta de
65 d.C., quase trinta anos depois que os fatos aconteceram; o de Lucas (Lc),
provavelmente no ano 70 d.C.; o de Mateus (Mt), no fim do século 1; e o de João
(Jo), em torno do ano 100 d.C. Basearam-se em material escrito anteriormente,
resultante de tradição oral, sobretudo depoimentos de testemunhas
contemporâneas de Jesus.
Portanto, os céticos podem justificar o fantástico das narrativas
bíblicas pela falibilidade da memória e o exagero inconsciente das recordações
dos fiéis entusiasmados. Alguns acham até que registros muito posteriores à
época dos fatos têm pouco ou nenhum valor.
Os cristãos ortodoxos podem alegar que os registros, inspirados pelo
Espírito Santo, se basearam em recordações dos contemporâneos do Cristo; que
fatos tão impressionantes teriam ficado gravados na memória; que uma simples
ilusão não transformaria vidas nem causaria o impacto que a obra de Jesus
causou na história; e que as investigações mais profundas feitas por críticos
hostis não conseguiram destruir a estrutura principal da narrativa do Novo
Testamento.
Elementos paranormais
Ao examinar os registros, deve-se levar em consideração as convenções
literárias da época. As antigas narrativas não eram tão rigorosas como o estilo
jornalístico do século XX, preocupado com a precisão das palavras e com o
relato objetivo dos fatos. Considerava-se a interpretação mais importante que o
evento — e os leitores sabiam disso.
Mateus, um judeu-cristão que escrevia para judeus, usava a técnica do
midrash, ou seja, comentário edificante por meio de uma reconstrução imaginosa
do lugar e do episódio narrado. Essa técnica valorizava poética e
simbolicamente fatos que eram, talvez, maravilhosos por si sós, criando uma
atmosfera estética e psicológica capaz de transmitir assombro ao leitor. Dessa
forma, acompanharam o nascimento de Jesus o aparecimento de anjos, a estrela de
Belém e a visita dos reis magos do oriente. Um tremor de terra, o rompimento do
véu do Templo, a escuridão e o surgimento de espíritos nas ruas de Jerusalém
assinalaram a morte (real ou alegada) de Jesus.
Talvez nenhum desses fatos tenha realmente ocorrido; para os fiéis,
contudo, o que importa não são os acontecimentos físicos presenciados pelos
homens, mas as experiências espirituais que simbolizam.
Outro costume judaico era o de se atribuir à ação de um "anjo do
Senhor" a aparente intervenção de Deus nos acontecimentos e na vida dos
homens.
Previsão e precognição mostram-se freqüentes no Novo Testamento, mas, segundo
pesquisas, apenas como questão de fé. Jesus previu sua morte em Jerusalém no
mínimo por três vezes. Também profetizou a destruição do Templo, que ocorreu em
70 d.C. Teve ainda conhecimento antecipado de que Pedro o negaria. Os registros
dessas previsões, porém, foram escritos depois dos fatos e, portanto, não
servem como prova do poder premonitório.
Experiências místicas, sonhos e visões aparecem em abundância. Se os
sonhos de José (Mt 1, 20; 2, 13; 2,19; 2, 22) não são midrash, podem ser
aceitos como dramatizações de soluções para problemas de que o marido da mãe de
Jesus tinha ciência quando acordado. Marcos conta que Jesus, por ocasião de seu
batismo, viu o céu se abrir e o Espírito Santo descer sobre ele em forma de
pomba. Ouviu ainda: "Eis meu filho amado". Ninguém nas redondezas
teria visto ou ouvido qualquer coisa. Tudo isso, portanto, estaria restrito a
sua percepção pessoal.
A conversão de Paulo ocorreu quando uma luz do céu (talvez um relâmpago)
o cegou temporariamente, durante uma viagem a Damasco, e uma voz lhe falou.
Segundo ficou registrado em Atos dos Apóstolos (At 9, 7), a voz foi ouvida
pelos companheiros de Paulo, enquanto At 22, 9 nega o fato. A discrepância não
pode ser contornada, assim como não se pode negar que o maior perseguidor dos
cristãos se tornou, após aquela experiência, seu principal defensor.
Existe também uma explicação psicológica possível. Assistindo à morte
heróica de Estêvão, o primeiro mártir cristão (At 7), Saulo — depois Paulo —
ficou convencido, em seu subconsciente, da verdade do cristianismo. A convicção
colidiu violentamente com sua educação entre os fariseus (seita judaica que, ao
contrário da cristã, mantinha estreita observância da lei mosaica). O conflito,
portanto, teve de ser resolvido por uma experiência pessoal marcante.
É necessário, contudo, mais do que o recurso à psicologia para explicar
a experiência de Pedro e Cornélio. Este último era um centurião romano que,
recebendo o nome e o endereço de Pedro numa visão, mandou chamá-lo. Pedro,
proibido pela lei judaica de entrar na casa de um não-judeu, teve uma visão
sobre criaturas "puras" e "impuras". Recebendo a ordem de
"imolar e comer", respondeu que jamais comeria qualquer coisa impura.
"Não chame impuro o que Deus declarou puro", foi a resposta.
A visão coincide com a chegada dos emissários de Cornélio, e Pedro, com
os escrúpulos removidos, visita o centurião, o qual se converte ao
cristianismo. Assim, pela primeira vez, a nova fé é proclamada aos não-judeus
(At 10).
O pesquisador do extra-sensorial pode ver nessa história um caso de
percepção paranormal: os pensamentos dos romanos teriam alcançado os judeus e
inspirado a reflexão — expressa numa visão — de que toda a humanidade era
aceitável a Deus. Há, porém, mais uma dimensão no fato de que algo ou alguém,
além dos dois homens, inspira as comunicações: um "anjo" que dá
instruções a Cornélio e uma "voz" que fala com Pedro.
Alguns parapsicólogos acreditam que esse tipo de voz incorpórea é a
exteriorização das convicções internas do indivíduo. Pode-se ouvir não só o que
se quer, como o que se precisa. Os apóstolos ouviam vozes "divinas"
em momentos críticos de suas vidas. A teoria da resposta instrumental
psicomediada afirma que as orações são respondidas não por um agente externo,
mas pela pessoa que reza (em casos de extrema necessidade ou fé). A resposta se
daria por meio da ativação inconsciente de uma forma de psicocinese, pelo
desenvolvimento de um poder mental. Muitos dos milagres bíblicos, embora
pareçam inverossímeis, são comparáveis a experiências de hoje.
Durante a missão de Jesus — época de grande efusão espiritual —, seus
seguidores testemunharam o florescimento de poderes paranormais. Si existe
alguma verdade nas estranhas experiências relatadas pelos iluminados através
dos tempos, elas continuam a manifestar-se nas pessoas santas. Muitas das
experiências místicas, tais como a glossolalia (falar em línguas
desconhecidas), são psicologicamente explicáveis; outras, como alguns dos
comprovados milagres de cura em Lourdes, na França, pertencem ao universo do
inexplicado.
Ao mesmo tempo, um ponto de vista equilibrado precisa, com freqüência,
do contrapeso de um ceticismo saudável e racional. Alguns dos milagres do Novo
Testamento parecem ir de encontro à ética. O Cristo ensinou que seus seguidores
devem amar até os inimigos. Seria compatível com esse preceito provocar a morte
de trapaceiros, como fez Pedro a Ananias e Safira (At 5)? Foi ético da parte do
Senhor da criação mandar maus espíritos sobre uma manada de porcos (Mt 8,
28-32), matando a todos por afogamento.
Existe certa possibilidade de que esses episódios, como também outros,
tenham sido mal relatados, mas os cristãos preferem examinar cada milagre
isoladamente e dele extrair o espírito do cristianismo ali figurado. Assim, o
milagre de Jesus acalmar a tempestade no mar (Mt 8, 24) pode ser interpretado
como o ato de um homem em tal sintonia com a natureza que podia ler seus
sinais; e o de andar sobre o mar (Mt 14, 24) é um exemplo de levitação,
considerado, em diferentes culturas e épocas, de domínio exclusivo dos santos.
Um aspecto notável da força de Jesus era sua capacidade de curar. A
literatura sobre fenômenos paranormais está repleta de histórias de curas,
muitas delas bem comprovadas; não há motivos para que a reputação de Jesus como
terapeuta não seja aceita pelo valor que aparenta ter.
Algumas análises dos milagres de Jesus salientam também a força mental
da fé da pessoa curada. E comum o Cristo dizer: "A tua fé te salvou".
Além disso, em sua própria terra, "não fez muitos milagres, por causa da
incredulidade de seus naturais", que lhe conheciam o pai, a mãe e os
irmãos, e o encaravam como um ser humano comum (Mt 14, 53-58).
As ressurreições da filha de Jairo (Mt 9,18-26) e da viúva do filho de
Naim (Lc 7,11-17) podem ter sido recuperações de um estado de coma ou
catalepsia. A ressurreição de Lázaro (Jo 11) é uma questão à parte, não só por
se tratar de um homem que voltou à vida quatro dias depois de enterrado, mas
também porque os três primeiros evangelhos ignoraram esse milagre — tão
impressionante que fez as autoridades judaicas decidirem destruir Jesus.
Há quem sugira que Lázaro se encontrava ‘‘morto para a vida eterna’’ (ou
seja, estava em pecado), e que o Cristo o teria reconduzido à harmonia existencial.
Todavia, existe a possibilidade de a narrativa ser verdadeira: aceita-se, hoje,
que o líder hindu contemporâneo Sai Baba foi capaz de ressuscitar um homem cujo
corpo começara a decompor-se.
Para os cristãos, porém, há um milagre de retorno à vida que constitui o
fato mais notável e significativo de todos os tempos: a ressurreição física do
próprio Jesus, três dias depois que morreu na cruz.
Jesus, aliás Yuz Asaf
Os cristãos tradicionais sempre insistiram em afirmar que seu líder morreu
supliciado pelos romanos, ressuscitou fisicamente e ascendeu ao céu. Mas outras
correntes de pensamento afirmam que o Mestre estava vivo quando o desceram da
cruz, foi curado das feridas (talvez pelos essênios), e ainda ensinou, em
relativo anonimato, até idade avançada.
Uma versão originária das montanhas do norte da India afirma que a
crucifixão não matou Jesus — ele viveu até a velhice em Caxemira, chegando a se
casar e ter filhos.
A cidade de Srinagar, nessa região indiana, abriga uma das descobertas
arqueológicas mais preciosas e controvertidas do mundo. Em frente ao cemitério
muçulmano, no centro da cidade, há um prédio retangular isolado, que ostenta
uma placa com os dizeres: rauzabal (túmulo de um profeta). Do lado de dentro,
numa placa de madeira entalhada, a inscrição "tumba de Yuz Asaf"
indica a câmara que contém uma simples sepultura de pedra, reconhecida como
monumento santo por um documento público datado de 1766.
O texto fornece alguns detalhes sobre o enigmático ocupante da tumba:
"No reino do rajá Gopadatta (...) chegou um homem chamado Yuz Asaf. Ele
era um príncipe real e renunciou a todos os direitos mundanos, tornando-se
legislador. Passava os dias e as noites rezando a Deus e longos períodos em
solitária meditação (...). Pregou a existência de um único Deus, até que a
morte o dominou e ele morreu.
Parece um lacônico epitáfio para alguém que viveu, ensinou e morreu em
Caxemira; mas esse santo, de acordo com a tradição local, não é outro senão o
próprio Cristo (que pertencia à casa e família do rei Davi e portanto, de certo
modo, era um príncipe real).
A afirmação de que Jesus morreu velho em Caxemira é sustentada não só
pelos guardiães hereditários do túmulo em Srinagar, mas pelos adeptos (centenas
de milhares) da seita muçulmana ahmaddiya. Esses crentes e vários estudiosos
que simpatizam com sua causa reuniram interessante coleção de dados e fragmentos
de informações históricas provenientes do Irá, Afeganistão, Paquistão e India.
Com esse material, acreditam que podem escrever o capítulo final da vida
do Cristo, desconhecido por completo pelos historiadores ocidentais não
iniciados no esoterismo.
Depois de seus últimos atos descritos no Novo Testamento, Jesus —
segundo os adeptos da seita ahmaddiya — deixou a Palestina para escapar à
jurisdição romana e à possibilidade de ser novamente supliciado. Tomou a
estrada para o norte, através de Damasco — ocasião da conversão de Paulo —, a
fim de buscar refúgio junto às comunidades judaicas espalhadas no oriente.
Acompanhado por Maria, sua mãe, atravessou os atuais Iraque, Irá e Afeganistão,
indo até a India, por onde vagou pregando o monoteísmo e a piedade. No oriente,
assumiu o nome de Yuz Asaf, que, em persa, significa líder dos curados de
feridas.
Segundo alguns ensinamentos, Yuz Asaf viajava para Caxemira via
Paquistão, quando sua mãe, já idosa, faleceu, sendo por ele mesmo enterrada na
cidade de Murree, 50 quilômetros a noroeste da atual Rawalpindi. Outras fontes
afirmam que ele viajou e ensinou pelo Ceilão (atual Sri Lanka), antes de chegar
a Caxemira, onde viveu seus últimos dias. Foi enterrado por um discípulo em
Srinagar, e até hoje se venera seu túmulo como um lugar sagrado.
De acordo com a tradição persa, Yuz Asaf foi persuadido pelo monarca
indiano a tomar uma mulher local como serva, e ela, além de conforto doméstico,
deu-lhe filhos. Sahibzada Basharat Saleem, poeta, político, editor de jornal e
guardião oficial do túmulo, afirma ter pesquisado sua árvore genealógica e
descoberto que descende de Jesus-Yuz Asaf.
Marcas da crucifixão
As histórias a respeito de Yuz Asaf são genuinamente antigas e o fato de
descreverem uma figura que tem extraordinária semelhança com o fundador da
religião cristã merece muita consideração.
Al-Said-us-Sadig, estudioso islâmico do século X, relata uma história
hindu da chegada do santo Yuz Asaf em Caxemira. Descreve suas longas viagens,
sua morte e seu funeral, assim como seus ensinamentos sobre a abstenção dos
desejos mundanos, o valor da humildade e a iminente vinda do reino dos céus. A
inclusão de uma parábola sobre a verdade, que, como sementes espalhadas na
estrada, cai tanto em solo bom como em solo ruim — semelhante à parábola do
semeador, colocada na boca de Jesus Cristo pelo Evangelho de Marcos (Mc 4,
3-20)—, sugere que se trata do próprio Jesus Cristo. Sadig escreveu numa época
em que os ensinamentos do Novo Testamento estavam disponíveis para os
estudiosos muçulmanos e poderia ter acrescentado esses detalhes por conta
própria. Mas as semelhanças mostram que a identificação de Jesus com Yuz Asaf
data de pelo menos um milênio atrás.
As histórias sobre Yuz Asaf — reunidas pela seita ahmaddiya em fontes
longínquas, como o Irã e o Sri Lanka — aumentam a convicção de que se está
diante de um fac-símile do Cristo, se bem que em ambiente completamente
estranho. A tradição o descreve como "um homem auspicioso, de tez clara e
vestido de branco", que realizava milagres, comunicava-se com os anjos e
dizia ser filho de uma virgem. De fato, todos os detalhes de sua personalidade
e de seu comportamento são iguais aos do Cristo. Isso torna improvável que a
tese resulte da interpretação cristã da vida de um genuíno santo hindu chamado
Yuz Asaf. As tradições parecem estar falando claramente em Jesus Cristo. Um
ponto em comum entre todas as narrativas é que ele era estrangeiro, um profeta
do ocidente. Certo manuscrito persa especifica seu lugar de origem como sendo a
Terra Santa, o termo usado pelos muçulmanos e pelos cristãos para referir-se à
Palestina.
O próprio túmulo em Srinagar constitui anomalia interessante na
arqueologia local. Enquanto a lápide da tumba data da época islâmica, embaixo
dela há um sepulcro mais antigo, alinhado na direção leste-oeste. Como
muçulmanos são enterrados na direção norte-sul e os hindus cremam seus mortos, provavelmente
o ocupante era judeu (túmulos judaicos, inclusive em Caxemira, costumam ser
orientados na direção leste-oeste). Os islamitas não reconhecem nenhum profeta
depois de Maomé; então, a forte tradição local de que a tumba abriga um profeta
sugere, principalmente na Caxemira muçulmana, que ela data de época anterior à
vida de Maomé (570-632, aproximadamente). Esses sinais indicam que o túmulo
contém os restos de um "profeta" judeu, sepultado em alguma época
anterior ao surgimento do Islã.
Na década de 70, o professor Fida Hassnain, diretor de arquivos e
antigüidades de Caxemira, efetuou uma investigação sobre o assunto. Seu estudo
dos documentos convenceu-o da autenticidade do caso, embora ainda faltem
evidências arqueológicas referentes à data e à procedência do morto.
O projeto de se fazer uma escavação em larga escala, financiado pela
seita ahmaddiya, acabou fracassando. Mas uma pesquisa superficial realizada por
Hassnain resultou numa descoberta intrigante: na extremidade noroeste da câmara
há um bloco de pedra do tipo que era usado pelos peregrinos para acender velas.
Raspando a espessa camada de cera, Hassnain encontrou um rosário e um crucifixo
deixados por visitantes cristãos. Chegou então à superfície da pedra, 18 que
mostra o que parece ser a impressão de dois pés humanos profundamente escavados
no lado de dentro. As "impressões" foram esculpidas e talvez
pretendessem representar os pés de um homem crucificado.
Na ausência de firme corroboração arqueológica, a questão do
sepultamento do Cristo em Caxemira apóia-se na evidência das histórias. A seita
ahmaddiya aborda o assunto de maneira direta. Existe uma série de versões,
originárias sobretudo do norte da Índia, que conta a história de um mestre
igual ao Cristo, vindo da Terra Santa, que buscou refúgio naquele país e viveu
até o fim de sua velhice em Caxemira. A explicação óbvia é que o Cristo fugiu
para o oriente depois de suas provações na Terra Santa. Afinal, os últimos dias
do Cristo na Palestina estão envoltos em mistério. Para reforçar a história, a
seita indica que o período dos reis (como o rajá Gopadatta, citado no texto de
1766), quando Yuz Asaf atuou, localiza-se em meados do século 1, nas décadas
seguintes à crucifixão do Cristo (ocorrida por volta do ano 33). Esses
fragmentos de prova podem esclarecer o "desaparecimento" final do
Cristo, tão misteriosamente descrito no Novo Testamento. Há outras versões para
suas atividades após a falsa morte. Os rosacruzes, por exemplo, sustentam que
ele voltou para o meio dos essênios, aí atuando como mestre de iniciados.
Talvez se possa avaliar a teoria dos crentes ahmaddiyas examinando as
evidências a partir da outra extremidade da longa jornada de Yuz Asaf — a
Palestina, o relato bíblico. Há duas questões principais: Jesus poderia ter
sobrevivido à crucifixão? E, em caso afirmativo, seria a Índia historicamente
verossímil como o último lugar de descanso para um mestre da Palestina no
século 1?
A teologia cristã, sem dúvida, tem muito a dizer sobre a primeira
pergunta. Insiste em que o Cristo morreu na cruz e que continuou a viver após a
ressurreição, de forma mais que espiritual, até subir ao céu. O Novo Testamento
salienta que sua ressurreição deve ser entendida no sentido físico. Quando
Maria Madalena foi com as companheiras à sepultura de Jesus, descobriram que o
corpo desaparecera e que a pedra que selava a entrada estava afastada. Se o
Cristo tivesse ressurgido apenas em forma de espírito, não seria necessário
afastar a pedra. Logo depois ele mostrou-se para Maria e em seguida para dois discípulos
que viajavam a caminho de Emaús. Partilhou com eles a refeição de modo nada
espiritual (Lc 24, 13-32). Mais tarde apareceu na reunião dos onze apóstolos
restantes, que ficaram assustados, achando que tinham visto um espírito, até
que o Cristo os convenceu a tocar nele e comprovar que era realmente de carne e
osso (Lc 24, 36-40 e J0 20, 27-28). Sentou-se e comeu, enquanto conversava com
os discípulos, desconcertados.
Além dessas aparições constantes do Evangelho, Paulo acrescenta que o
Cristo foi visto por "aproximadamente quinhentos fiéis de uma só vez"
e também, em outras ocasiões, por ele e Tiago. O que se pode dizer a respeito
dessas afirmações sobre a ressurreição do Cristo? Uma abordagem racional e
materialista concluiria que jamais poderia ter ocorrido a
"ressurreição" de um homem morto. Aliás, quando José de Arimatéia foi
pedir o corpo de Jesus a Pilatos, o romano se admirou de que o mártir tivesse
morrido tão depressa (Mc 15, 44). Se as histórias sobre as aparições do Cristo
são autênticas, ele deve ter sido sepultado em estado de coma, do qual se
recuperou mais tarde. Ainda hoje, os médicos discutem a definição exata de
morte. Os anais da medicina do século XX estão repletos de casos de pessoas
aparentemente mortas que retornaram à vida. Um exemplo interessante vem do
escritor inglês Robert Graves, que acrescentou uma nota de rodapé a seu estudo
sobre a crucifixão, dizendo que ele mesmo fora considerado morto por um
experimentado oficial médico, após a batalha de Somme, em 1916. Deixado num canto,
sem atendimento, durante um dia inteiro, acabou mostrando sinais de
recuperação: "Consegui conservar meu calor vital por um tempo pouco menor
que as trinta horas que Jesus passou na sepultura, embora houvesse apenas uma
maca entre mim e a terra nua; e a resistência física dos santos orientais é
notoriamente maior que a de pobres pecadores europeus..."
A sobrevivência da mensagem
Não parece ultrapassar os limites da razão a idéia de que alguém com o
extraordinário poder mental de Jesus revivesse após permanecer em estado de
animação suspensa, semelhante à morte, por até dois dias. Afinal, essa proeza é
comum entre iogues indianos, que sobrevivem enterrados vários dias. Tal solução
parece satisfazer as evidências do Novo Testamento, mas seria inaceitável para
os cristãos, que insistem numa verdadeira ressurreição dos mortos como sinal da
divindade do Cristo.
Tanto o sectarismo cristão quanto o ceticismo mostram-se improdutivos
para o historiador. Não se pode considerar um artigo de fé como evidência histórica;
por outro lado, a negação que os céticos fazem das aparições do Cristo após a
crucifixão choca-se com a explicação mais natural para o explosivo crescimento
da igreja primitiva. Só se tem a palavra dos autores sacros para testemunhar a
reaparição do Cristo, ao passo que, sobre a crucifixão, há referências em
escritos romanos e judaicos do período. Mas sabe-se que o cristianismo se
alastrou como fogo em meados do século 1 d.C.
Qual teria sido a causa? O Novo Testamento apresenta a cena muito
plausível de um pequeno grupo de seguidores indecisos e extremamente
desiludidos pela prisão e crucifixão de seu líder. Mas os discípulos se
revitalizaram com a promessa da volta do Messias, do Espírito da Verdade. A
crucifixão do Cristo, confirmada por inúmeras testemunhas, é o sustentáculo da
fé dos primeiros apóstolos do cristianismo: "Se o Cristo não ressuscitou,
é vã nossa fé", afirma Paulo (1 Cor 15, 17). Jesus, porém, continuou a
viver após o suplício na cruz por ter ressuscitado ou por não ter morrido? Para
muitos, a pergunta mostra-se irrelevante, O fundamental é que sua lição de amor
(a Deus, a si mesmo, ao próximo, ao inimigo) não morreu —nem no Gólgota, nem em
Caxemira.
Jesus esotérico, uma encarnação do Cristo
A figura de Jesus permite uma variedade de interpretações, pelos lados
histórico, mítico, místico ou esotérico. Os que a estudam sob este último
aspecto partem de uma tradição extremamente difundida entre muitas culturas
religiosas asiáticas: a existência de homens especialmente dotados e preparados
para ser veículos de manifestação de uma influência redentora da humanidade ou
de parte dela. A essa energia dá-se o nome de "princípio crístico".
Aos profetas judeus outorgava-se o título de Emanuel, ou "Deus em
si mesmo", significando que seriam inspirados pelo Espírito Divino. Os
meninos escolhidos para essa missão eram educados em escolas ou mosteiros
destinados ao preparo e à formação de profetas. Logo proferiam votos de
ascetismo e se consagravam à peregrinação no deserto. No caso de Jesus,
sacerdotes da Ordem dos Essênios teriam detectado seu extraordinário potencial
quando falou aos doutores do Templo. Seu período de iniciação prolongou-se até
os trinta anos, quando passou a manifestar o principio crístico.
Essa tradição é muito conhecida também nas civilizações budistas, onde
existem as figuras dos bodisatvas, muito semelhantes aos profetas hebreus. Eram
seres cuja alma espiritual (bodhi) se achava desenvolvida o suficiente para
relacionar-se com o mundo divino durante sua encarnação terrena. Essa perfeição
supunha uma completa penetração do corpo pela alma espiritual ou princípio
divino. Depois de tal manifestação, que exerce sobre a humanidade uma
influência regeneradora e purificadora, um bodisatva não tem necessidade de
reencarnar. Entra na glória do nirvana (estado de não-ilusão) e permanece no
mundo divino, de onde continua a influenciar a humanidade.
O Cristo, na tradição esotérica, é mais que um bodisatva. É uma
potestade cósmica, um princípio universal ou verbo solar que se manifesta por
meio de um homem especialmente dotado e preparado — Jesus.
Para leitura sobre o tema:
"A Vida mística de Jesus", H. Spencer Lewis.
"As Doutrinas Secretas de Jesus", H. Spencer Lewis.
"A Evolução Divina da Esfinge ao Cristo", Edouard Schuré.
"Os Grandes Iniciados", Edouard Schuré.
"Jesus dos Treze aos Trinta Anos", F. C. Werneck.
"O Cristianismo como Fato Místico", Rudolf Steiner.
"O Sublime Peregrino", Ramatis.
"Arpas Eternas", Hiiarion de Monte Nebo.
"Os Mestres da Sabedoria", J. G. Bennett.
"Cristo Nunca Existiu", Emilio Bossi.
"La Verdad de la Reencarnación a la Luz del Evangelio", Tomás
Vaiencia.
"Vida de Jesus Ditada por Ele Mesmo", anônimo.
"O Santo Sudário", Ian Wilson.
"O Cristianismo Esotérico", Annie Besant.
"Cristianismo Místico", Ramacharaca.
Extraído do livro "Inexplicado - A Realidade Além da mente, do Tempo e
do Espaço".
Luís
Pellegrini
Instituto de Pesquisas Psíquicas Imagick