As grandes
tradições espirituais de nosso planeta sempre ensinaram que o mundo em
que vivemos é uma
ilusão, é maya como dizem os hinduístas. Com mais razão ainda, poderíamos dizer
que as aparentes diferenças que saltam aos olhos entre o budismo e o
cristianismo são também uma ilusão. Na verdade, estas duas grandes
tradições do oriente e do
ocidente têm muito mais em comum do que suas aparentes diferenças sugerem.
Quando estudamos mais a fundo estas tradições verificamos que por trás de suas
nomenclaturas díspares e enfoques radicalmente opostos existem mais
convergências e semelhanças do que contradições. O primeiro passo, porém, em
todo estudo comparativo é deixarmos bem claro o que estamos comparando. Assim,
que vertentes, ou escolas destas duas tradições estamos comparando? De um lado o
Budismo Mahayana - também conhecido como o Grande Veículo. Da mesma forma que
Jesus transmitiu vários níveis de ensinamentos para diferentes grupos de
pessoas, assim também o fez o senhor Buda.
Estaremos comparando o Budismo Mahayana com o
Cristianismo Primitivo ou Gnosticismo, que foi a continuação natural do
Ministério de Jesus. O Cristianismo Primitivo recebeu um grande baque, no início
do século quatro, com a transformação do cristianismo em religião oficial do
Império Romano. A partir de então os objetivos temporais suplantaram os
espirituais e o ensinamento original de Jesus foi perdendo sua importância
relativa à medida em que a hierarquia clerical dominante foi tomando mais força
do que a assembléia dos praticantes, a verdadeira igreja. A nova Igreja passou a
enfatizar dogmas, credos e rituais externos, estabelecidos com o propósito de
consolidar seus objetivos temporais, criando com isto toda uma série de
distorções na doutrina e prática legadas por Jesus. O budismo, por sua vez,
também não escapou incólume das influências do clero e de outros fatores
externos.
Com as distorções separativistas e
materializantes introduzidas ao longo dos séculos na religião budista e mais
ainda na cristã, uma comparação entre as versões populares destas duas religiões
atuais indicaria mais diferenças do que semelhanças. Lembramos, também que, para
a Igreja, o cristianismo não pode ser comparado com o budismo ou qualquer outra
religião, porque o cristianismo seria o resultado de uma revelação divina, a
única revelação fiel e verdadeira. Portanto, sendo a única religião verdadeira
não poderia ser comparada com qualquer outra.
DEUS E O VAZIO
Procuremos ter sempre em mente que estaremos
comparando o Cristianismo Primitivo com o Budismo Mahayana. Vejamos os métodos e
premissas dessas duas tradições, para que possamos levar adiante essa
comparação. O cristianismo é uma religião teísta, ou seja, que se baseia na
existência de um Deus. A Deidade é considerada como a criadora de todos os
mundos. Por esta razão, o método utilizado no cristianismo, como em todas as
religiões teístas, é um método dedutivo. Todas as concepções originam-se
necessariamente da Fonte Una e todas as deduções são feitas de cima para baixo,
até alcançar o mundo físico e a humanidade.
O budismo, ao contrário, é uma religião
não-teísta . Neste ponto poderíamos nos perguntar: mas como o budismo pode ser
uma religião se não admite a existência de Deus, já que a palavra religião
origina-se do termo latino "religare", que significa ligar o homem de volta à
sua Fonte? A questão é complexa e procuraremos aborda-la sob diferentes ângulos
nesta apresentação. Podemos adiantar, porém, que o senhor Buda, com sua imensa
sabedoria, teve boas razões para estabelecer toda sua doutrina com um enfoque
inteiramente diferente das religiões tradicionais. Em vez de iniciar seu sistema
com uma concepção filosófica sobre a origem de toda a manifestação, ou seja,
Deus, o senhor Buda usou como premissa básica a observação da realidade da vida
dos homens, ou seja, a existência do sofrimento. Com base nessa constatação ele
estabeleceu seus ensinamentos, indutivamente, de baixo para cima.
Poderíamos nos perguntar também: se essas duas
tradições são convergentes, como se explica que o objetivo último das práticas
budistas é alcançar o vazio enquanto do cristianismo primitivo e do gnosticismo,
era de alcançar a plenitude. Aparentemente são pólos opostos: vazio x plenitude.
Vejamos porém, o que está por trás destas palavras. O budismo prega que as
práticas meditativas permitem uma progressiva purificação e controle da mente,
até o ponto em que o praticante alcançará a realidade última, que é a
contemplação ou vivência do vazio. Se nos deixarmos levar pelo sentido literal
das palavras, o vazio é a ausência de tudo. Num certo sentido, este é o
significado do vazio. Os budistas explicam, porém, que vazio é a ausência de
realidade inerente das coisas. Isto significa que nenhum ser ou objeto tem uma
existência inerente por si só. Se nada tem existência inerente por si só, a
conclusão é que a existência de qualquer ser ou objeto depende do
inter-relacionamento de todas as coisas.
Os gnósticos, ou cristãos primitivos diziam, por
sua vez, que o objetivo último de toda prática religiosa é alcançar a plenitude.
'Pleroma', ou plenitude é o estado de consciência da totalidade, em que o
gnóstico percebe que ele é uno com todos os seres, que faz parte da plenitude do
todo. Portanto, a plenitude do todo e o vazio da existência inerente das
unidades separadas, nos permite entender que estamos falando da mesma coisa com
linguagens diferentes. As duas tradições enfocam a realidade última a partir de
pólos opostos. Por trás da terminologia aparentemente contraditória as duas
tradições concordam que, em sua essência, o vazio é plenitude.
Uma vez esclarecido o paradoxo, podemos entender
porque um grande místico cristão do século passado, Thomas Merton, sugeriu que
nenhum homem é uma ilha. Ele valia-se da imagem de que a ilha é um pedaço de
terra isolado. Portanto, nenhum homem é isolado em si mesmo. Todo homem faz
parte do continente. E qual é a imagem do continente? No continente todos os
pedaços de terra se encontram ligados e são interdependentes. Então, no
continente existe a totalidade. Explica-se dessa maneira porque vazio e
plenitude são, em sua natureza última, a mesma coisa.
CRISTO, KRISHNA E BUDA
Vários estudos comparativos foram feitos sobre
as vidas de Gauthama e de Jesus (bem como a de Krishna e de outros grandes
seres). Um fato recorrente nestes estudos são os paralelos encontrados nas vidas
destes salvadores da humanidade. Quando observamos atentamente esses paralelos,
não podemos deixar de concluir que as inúmeras coincidências verificadas não
podem ser obra do acaso. Por exemplo, na obra Isis sem Véu de H.P. Blavatsky, é
dito que Gautama é filho de um rei e Jesus descende da família real de Davi.
Gauthama, é uma encarnação de Vishnu e Jesus, uma encarnação do Espírito Santo.
Portanto, os dois são expressões do Divino. Tanto a mãe de Gauthama, Maya, como
a de Jesus, Maria, mantiveram-se virgens imaculadas após o nascimento de seu
filho. Até mesmo os nomes: Maya e Maria, parecem indicar uma raiz comum que
remonta a um passado tão distante que o registro humano não consegue
alcançar.
Alguns estudiosos, após investigarem as mais
diversas tradições religiosas registradas, verificaram que existem pelo menos
dezesseis tradições em que o seu salvador morre crucificado. E nessas dezesseis
tradições existem quase todos os paralelos que estamos apresentando aqui. Essa é
uma clara indicação de que os paralelos entre as vidas de Jesus, de Gautama e de
outros salvadores da humanidade não são coincidências únicas na história. Ao
contrário, todas as grandes tradições religiosas oferecem, por meio histórias
estilizadas da vida de seu fundador, marcos simbólicos indicativos da Senda
espiritual que deve ser trilhada pelos discípulos avançados para que possam
tornar-se, eles também, salvadores da humanidade.
Tanto Gautama como Jesus eram dotados do poder
de realizar prodígios e efetuar curas milagrosas. A Igreja, mais tarde, durante
o período mais negro de sua história na Idade Média, verificando que essas
semelhanças não podiam ser negadas, deu mais uma prova de sua miopia e
arrogância explicando que as semelhanças eram obra do diabo. O argumento
apresentado foi que o diabo, sendo um poderoso arcanjo, tinha visto o que iria
acontecer com Jesus mais tarde, e então, para confundir os fiéis, copiou com
antecedência todos esses registros históricos de fenômenos excepcionais na vida
destes grandes seres.
Explicações diabólicas à parte, o fato, porém, é
que existem inúmeros paralelos na vida destes dois grandes seres. Os dois
esmagam a cabeça da serpente do fetichismo, mas adotam a serpente como símbolo
da sabedoria. A razão para isto é o fato de que em todas as tradições, para que
se possa alcançar a realidade última, torna-se necessário o despertar da
kundalini. Essa é a força ígnea que se encontra dormente em todos os seres
humanos, aparentemente enroscada três vezes e meia, na base da coluna. E é
somente com o despertar dessa força telúrica que é possível alcançar a
realização última. Daí a sabedoria ser associada com a serpente.
RASGANDO OS VÉUS DOS TEMPLOS
Gautama abole a idolatria e entra em conflito
com os brâmanes que detinham o monopólio do ensinamento religioso da tradição
hinduísta. Ele divulga os mistérios da unidade e do nirvana, e oferece um método
prático e seguro, ao alcance de todas as castas, para se alcançar a libertação.
Jesus revela-se contrário à tirania religiosa dos escribas, fariseus e da
sinagoga, e revela os mistérios do reino de Deus. As convergências são cada vez
mais gritantes. E, finalmente, após a morte, Buda sobe ao Nirvana e Jesus é
elevado ao Céu.
Vejamos agora, sob outro prisma, os diferentes
níveis de ensinamento. As duas tradições reconhecem três níveis de realização.
No nível mais elevado estão aqueles que eram chamados eleitos, ainda que sem um
sentido elitista de exclusão. Entre os gnósticos, eles eram conhecidos como
pneumáticos, que significa espirituais e, entre os budistas, como árias, ou
sejam, os seres sagrados, os seres elevados ou avançados.
O grupo seguinte, os intermediários, eram
conhecidos entre os gnósticos como os psíquicos ou religiosos e entre os
budistas como os aniatas. E, finalmente, o grupo dos homens comuns, os muitos,
na linguagem de Jesus, eram chamados pelos gnósticos, de ílicos ou materiais, e
entre os budistas, as pessoas tolas, denominação apropriada, pois aqueles que só
estão voltados para os prazeres da vida material imediata, sem nenhum interesse
pelo objetivo último da vida, são, certamente, pessoas tolas.
Assim, o ensinamento dos grandes mestres foi
estruturado para atender as necessidades desses três grupos de pessoas. Para o
povo em geral, para aqueles que estão voltados exclusivamente para a vida neste
mundo, a ênfase eram os ensinamentos sobre a ética e a vida diária. Para os
homens intermediários, que os gnósticos chamavam de religiosos, eram
ensinamentos mais abrangentes sobre a vida e a prática espiritual, sendo esses
ensinamentos encontrados nos sutras budistas e nas escrituras cristãs. E é
interessante lembrar que esse grupo intermediário, tanto para os budistas como
para os cristãos primitivos, eram aqueles que nesta vida, em função de suas
decisões, determinações e postura de vida poderiam cair no grupo dos muitos, os
materialistas, ou então, elevarem-se e entrar no grupo dos eleitos, daqueles que
poderiam vir a ser salvos ou libertos.
E, finalmente, para o grupo dos assim chamados
espirituais, os poucos, as duas tradições oferecem ensinamentos sobre o caminho
acelerado. O caminho acelerado, com suas naturais exigências de purificação e
dedicação, só está aberto a muito poucos. Por exemplo, nos mosteiros budistas,
dentre os monges que terminam seu período de formação, cuja extensão depende da
escola, são muito poucos aqueles que são convidados a seguir adiante com os
estudos e práticas, agora não mais dos sutras, mas dos tantras, no caminho
acelerado budista. E, no caso dos gnósticos, as práticas avançadas incluíam os
sacramentos. Esses sacramentos originais ministrados por Jesus e mais tarde por
seus discípulos eram cinco e não os sete sacramentos atuais da Igreja. Os
sacramentos originais eram realmente transformadores, pois eqüivaliam a
iniciações.
ÉTICAS CRISTÃ E BUDISTA
Vejamos agora os ensinamentos voltados para o
homem comum nas duas tradições. Eles tratavam principalmente de questões
relacionadas com a ética. Aqui também vemos grandes convergências, grandes
paralelos entre as duas tradições. É interessante notar que a maior parte dos
ensinamentos de Jesus sobre a ética, foram coletados na parte do Evangelho que
veio a ser chamada de Sermão da Montanha. É possível e até mesmo provável que
aqueles ensinamentos tenham sido ministrados em diferentes ocasiões sendo mais
tarde apresentados de forma orgânica naquele maravilhoso texto. Um fato curioso
é que alguns estudiosos, tendo levado a Bíblia para uma comunidade budista,
resolveram testar os mestres dessa comunidade. Leram, então, o Sermão da
Montanha, sem dizer a fonte, indicando somente que era o ensinamento de um
grande mestre. Os monges budistas, após ouvirem com atenção os três capítulos de
Mateus (5, 6 e 7) que compõem a versão mais extensa do Sermão da Montanha,
concluíram que o autor era um mestre budista, desconhecido deles, mas certamente
um budista. Existe, portanto, uma total afinidade dos budistas para com a ética
como foi apresentada no Sermão da Montanha. Entre os budistas, os ensinamentos
sobre ética encontram-se em diferentes escrituras, mas talvez no Dhamapada
encontra-se a coletânea mais sintética desses ensinamentos.
A questão da ética, sendo básica para todas as
religiões, é uma das que oferece um dos maiores escopos para explorarmos os
paralelos entre as duas tradições. Só este tema seria suficiente para um artigo
ou mesmo um livro, sem contudo esgotar o assunto. Existem quatro passagens do
Sermão da Montanha que tratam de homicídio, adultério, falso testemunho e
retribuição. Essas passagens correspondem aos preceitos do Buda de não matar,
não se apropriar do que não lhe pertença, não ter relações sexuais indevidas,
não dizer mentiras e não usar álcool ou drogas.
Como parte de seus ensinamentos sobre a ética,
tanto Buda como Jesus, alertaram para o fato de que viriam outros mensageiros
com falsos ensinamentos. Por isso, Jesus disse: "Guardai-vos dos falsos profetas
que vêm a vós vestidos como ovelhas, mas que por dentro são lobos vorazes."
Existem, portanto, aqueles, na tradição cristã que se dizem mestres, instrutores
ou gurus. Mas, quando examinamos com atenção suas ações, vemos que são pessoas
egoístas, voltadas para si, fazendo um grande esforço para arrebanhar um grupo
de seguidores que venha bancar suas pretensões. Esses são os falsos
profetas.
Buda também fez uma alusão, não aos falsos
profetas mas aos falsos ascetas. Aqueles que se entregam a práticas ascéticas
para purificação, mas que, na verdade, estão movidos pelo orgulho de se
apresentar como mais desprendido e mais santo que os outros. Esses dizem em seu
íntimo: "não só sou um renunciante mas sou mais renunciante que os outros."
Obviamente esta é uma atitude de orgulho que não reflete o verdadeiro sentido da
espiritualidade. E Buda, com sua linguagem incisiva diz: "Por que esse cabelo
trançado?" Porque eles trançavam de tal maneira a causar dor ao couro cabeludo.
Por que essa roupa de pele de animal?" Com isso o Senhor Buda procurava nos
alertar que não é preciso sinais exteriores de ascetismo porque todo o ascetismo
é voltado para a purificação. E a purificação que conta não é a purificação do
corpo. É a purificação da mente.
Os ensinamentos sobre a ética são dirigidos a
todas as pessoas. Ambas tradições dão muita atenção ao amor e à compaixão,
ensinando que a compaixão é a pedra fundamental para a vida superior. Apesar
desses ensinamentos serem mencionados nos textos básicos das duas tradições,
sabemos que a verdadeira compaixão é um ideal elevado que normalmente só é
alcançado por discípulos mais avançados. São realmente esses discípulos, aqueles
que se voltaram inteiramente para a vida espiritual, que têm sua vida e conduta
caracterizadas pelo amor puro. Num patamar ainda mais elevado estão os grandes
Mestres, como Gautama e Jesus. Ambos foram impelidos a estabelecer seus
ministérios redentores pela Divina Compaixão. Renunciaram a tudo e devotaram sua
vida totalmente a ajudar a combalida família humana.
Vale lembrar que agiram com divina sabedoria
para alcançar os objetivos da divina compaixão. Estando em perfeita sintonia com
o Plano Divino procuraram ensinar os homens a tornarem-se responsáveis por si
mesmos. Como o fundamento da vida humana é o livre arbítrio, a salvação não pode
ser forçada aos homens. Ela só pode ser indicada. Cada ser humano terá que
trilhar cada passo, de livre e espontânea vontade, a longa Senda que leva à
libertação. A grande contribuição de nossos salvadores foi a revelação do
Caminho, por meio de ensinamentos e de seu exemplo. Portanto, a missão dos
grandes Mestres, os Salvadores da humanidade, é colocar à nossa disposição os
instrumentos para nossa libertação, na forma de ensinamentos capazes de promover
nossa progressiva transformação interior. Com o tempo, essa transformação,
equivalente à purificação de nossos veículos inferiores, cria as condições
necessárias para alcançarmos finalmente a iluminação, ou seja, o portal para a
libertação ou salvação.
AMOR E COMPAIXÃO
Vale a pena lembrar que, para os budistas da
tradição mahayana, o voto de bodhichitta constitui o ponto de partida de sua
tradição. Esse voto nem sempre é bem entendido pelos não-budistas. Fundamenta-se
na compaixão, ou seja, na profunda convicção de que todos os membros da família
humana são prisioneiros da roda dos renascimentos, o samsara. Conscientes de que
ao longo de nossas inumeráveis existências, os seres que conosco compartilham do
samsara poderiam ter sido nossas mães, pais, irmãos, filhos ou amigos próximos
que nos cumularam de atenção e cuidados amorosos, e sabendo que nossa capacidade
para ajudar os outros é função direta de nossa realização espiritual, decidem
fazer o voto de bodhichitta, que é o compromisso de buscar incessantemente a
iluminação para o benefício de todos os seres.
Encontramos também na Bíblia indicações de que
Jesus era movido pela mesma motivação compassiva. Talvez esta motivação esteja
refletida mais claramente na passagem ao final de seu ministério ao retornar dos
mortos para terminar a preparação de seus discípulos. Nos últimos momentos de
sua vida na Terra, antes de ascender ao Céu, Jesus demonstrou a mesma atitude de
compaixão dos lamas budistas avançados, numa expressão equivalente ao voto de
bodhichitta dizendo, "Eis que estarei convosco todos os dias até a consumação
dos séculos!" Com isto Jesus estava prometendo que, apesar de ter sido alçado a
um plano diametralmente oposto das vibrações pesadas da Terra, não iria se
afastar da família humana com todas suas misérias e sofrimentos, até que todos
tivessem sido salvos, que é o significado da expressão "até a consumação dos
séculos, ou até o fim dos tempos", como é apresentada em outras versões da
Bíblia.
Vejamos agora paralelos entre gnosis e
sabedoria. As duas tradições insistem que a salvação só ocorre através da
gnosis, como era chamada entre os gnósticos, ou da sabedoria, jnana como é
referida pelos budistas. O primeiro passo nessa comparação deve ser o
entendimento dos conceitos expressos nas duas tradições. Gnosis é uma palavra
grega que significa conhecimento. Isto não significa que decorando uma
enciclopédia, ou mesmo todos os livros de uma biblioteca, estaríamos adquirindo
o "conhecimento" libertador. A gnosis tão desejada pelos cristãos primitivos era
um conhecimento interior. Não um conhecimento intelectivo dependente da mente
concreta e da memória, mas sim de condições muito especiais, tais como a
meditação profunda ou mesmo certos rituais que propiciavam a expansão de
consciência e a apreensão direta da verdade. Em suma, a gnosis poderia ser
considerada como uma revelação interior. Quando Jesus dizia: "Conhecereis a
verdade e a verdade vos libertará" Ele estava certamente referindo-se à
gnosis.
A VERDADE E A LIBERTAÇÃO
Mas que verdade ou conhecimento é este? Os
místicos e sábios de todas as tradições são unânimes em afirmar que a verdade
salvadora é o conhecimento interior, ou melhor dito, a vivência interior, de que
o homem e Deus são um e o mesmo Ser. A unidade da vida, uma vez experimentada no
interior da alma e fixada na consciência do homem, produz uma transformação
radical no ser humano. A partir de então ele "sabe" por experiência própria que
é imortal e, percebendo a si mesmo como um aspecto inalienável da grandeza
infinita de Deus sabe, conseqüentemente, que está salvo.
A essência dos argumentos acima são válidos
também para os budistas. O papel central da sabedoria nos ensinamentos de Buda
está particularmente explicitado nas paramitas, ou virtudes. Das seis virtudes a
última é Jnâna, traduzida normalmente como sabedoria, mas que também significa
gnosis, o conhecimento interior. A sabedoria, de acordo com os budista, não é
erudição. Não significa conhecer todas as escrituras budistas e poder
declamá-las de cor. Sabemos que na época do senhor Buda eram poucos os que
sabiam ler e escrever. E eram pouquíssimos os documentos existentes com as
escrituras. Então os discípulos, muitas vezes referidos como ouvintes, aprendiam
os ensinamentos ouvindo e guardando-os na memória. Este processo de aprendizado
era facilitado pelo fato de não terem a mente atulhada de lixo, como temos em
nossa civilização atual, bombardeada com todo tipo de informação da televisão,
jornais, revistas e agora da internet. Os discípulos de então ouviam os
ensinamentos e os gravavam na mente. Eles carregavam sua biblioteca na
cabeça.
Apesar dos budistas prezarem o conhecimento de
suas escrituras, deixam claro que esta erudição não é sabedoria, mas sim um
instrumento facilitador para alcança-la. A sabedoria, a última das virtudes é a
percepção do vazio de todas as coisas, a natureza essencial da mente, o
substrato de toda a manifestação. Porém, como vimos anteriormente, o vazio ou
ausência da natureza inerente equivale à unidade de todas as coisas. Portanto, a
sabedoria para os budistas é o mesmo que gnosis para os cristãos
primitivos.
Outro ponto de convergência das duas tradições é
a importância da "Lei". O Dharma, ou lei é a fundamentação do budismo. Eles são
conhecidos como os praticantes da lei. Mas o que é a lei para os budistas? E o
que é esta grande Lei? É a Lei Divina. É a Lei que rege toda a manifestação. Em
virtude do princípio hermético das correspondências (aquilo que está em cima é
como aquilo que está embaixo, o que está dentro é semelhante ao que está fora, o
pequeno é semelhante ao grande), a grande Lei Universal está refletida na lei
que é transmitida aos seres humanos em suas escrituras sagradas, na tradição
judaico-cristã a Torá e na tradição budista o Dharma.
A LEI E A PURIFICAÇÃO
Encontramos na tradição cristã primitiva a
passagem em Excertos de Teódoto: "Somente o batismo não liberta mas sim, a
gnosis, o conhecimento interior de quem somos, o que nos tornamos, onde estamos,
para onde vamos. O que é nascimento, o que é renascimento". Outra passagem
bastante conhecida, desta vez da Bíblia, reflete também a tradição gnóstica:
"Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará". Conhecimento ou gnosis,
portanto, é o portal da liberdade.
É dito no budismo que para se alcançar a
sabedoria, a jnâna, torna-se necessário a purificação da mente de seus fatores
mentais obscurecedores. Os budistas ensinam que para se alcançar a sabedoria ou
o vazio, que é a pura percepção da clara luz da mente, temos que retirar
primeiramente tudo aquilo que obscurece a mente. O entulho mental é em grande
parte conseqüência de nossos condicionamentos na vida terrena, chamados pelos
budistas de skhandas. Existe na literatura budista um grande número de
referências sobre a purificação da mente. Estes ensinamentos foram, mas tarde
codificados e aprofundados pelo grande mestre budista Asangha*, que viveu no
século IV de nossa era. A questão do conhecimento e da purificação da mente é
tão importante para os budistas que eles desenvolveram uma linha de estudos que
chamam de lojong* para tratar exclusivamente do treinamento da mente.
Na literatura cristã, ainda que sua natureza
seja inteiramente diferente da budista, algumas referências são feitas ao
treinamento da mente, principalmente nas epístolas de Paulo. Porém, a verdadeira
importância da purificação da mente para o cristianismo primitivo ficou
mascarada pela tradução errônea do termo grego "metanoia" no original grego da
Bíblia como "arrependimento". Por exemplo, numa das primeiras passagens dos
evangelhos, João Batista é apresentado pregando: "Arrependei-vos, é chegado o
tempo". Porém, no original em grego, a expressão era derivada de metanóia que
tem um significado muito mais amplo do que arrependimento. Significa: modificar
os conteúdos mentais para que se possa perceber a verdade; proceder a uma
transformação da mente, uma transformação interior. Esse é o verdadeiro sentido
de metanóia que foi traduzido na Bíblia como arrependimento.
Como conseqüência dessa distorção bíblica, o
cristão ortodoxo tradicional desenvolveu uma atitude de passividade face à vida
espiritual, eu preciso me arrepender de meus pecados. Mais tarde os teólogos
reforçaram esta atitude com a instituição do sacramento da penitência, melhor
conhecido como confissão, que previa o perdão dos pecados para aqueles que os
confessassem aos prelados da Igreja. É bem verdade que nem todas as correntes do
cristianismo aceitaram a instituição da confissão. Mas a corrente dominante
venceu e com isto, na opinião de alguns observadores, criou-se um incentivo à
hipocrisia, pois o fiel sabia que depois de pecar bastava correr para a Igreja,
confessar-se e assim ter assegurada a sua 'pureza'. Podemos estar certos que
este não era o objetivo de nosso sábio e compassivo Mestre. O que Jesus pregava,
e que constituía o cerne dos ensinamentos do cristianismo primitivo, é a
modificação interior. É somente quando nós nos transformamos interiormente que
podemos alcançar aquele estado de plenitude que é o estado da salvação.
Felizmente, foi preservada na Bíblia uma frase lapidar do grande apóstolo Paulo,
que parece uma citação de um tratado budista: "E não vos conformeis com esse
mundo, mas transformai-vos renovando a vossa mente". Renovar a mente. É isto que
Paulo e Jesus nos ensinaram.
VIDA E MORTE
Outro ponto de aparente desencontro, mas de
convergência em sua essência, é a questão da vida e da morte nas duas tradições.
É necessário viver ou morrer para alcançar a meta, o céu ou nirvana? Para os
cristãos ortodoxos de diferentes denominações, o conceito dominante é que só
podemos alcançar o céu depois da morte. Por isso muitos padres e pastores gostam
de contar uma historia que em suas linhas gerais seria: um ministro de Deus
estava pregando na igreja, ou no templo, e aí voltou-se para sua
congregação:
- nós todos amamos Jesus, não amamos?
- Amamos! Responderam em uníssono.
- Então, quem quer ir para o céu?
- Eu! Eu! Todos levantaram a mão.
- E quem é que quer ir para o céu, agora?
- Constrangimento total.
- nós todos amamos Jesus, não amamos?
- Amamos! Responderam em uníssono.
- Então, quem quer ir para o céu?
- Eu! Eu! Todos levantaram a mão.
- E quem é que quer ir para o céu, agora?
- Constrangimento total.
Só duas
velhinha muito doentes levantaram a mão timidamente. Por que essa incongruência
entre ideal e prática? A razão dos fieis preferirem sempre postergar para o
último momento a suposta ida ao céu deve-se à imagem errônea de que o céu é um
lugar que só está ao alcance dos mortos. Obviamente esta é uma concepção
totalmente errônea porque o céu não é um lugar. O céu é um estado de
consciência. É o estado de consciência da unidade com a fonte da vida e com
todas as outras expressões desta vida. Este estado de consciência já foi
atingido por milhares de místicos e iogues de diferentes tradições ao longo dos
séculos. Apesar de existirem diferentes níveis para este estado de
transcendência, todos eles podem ser alcançados durante a vida terrena. Os
gnósticos e os cristãos primitivos, conhecendo os 'mistérios do reino', estavam
cientes de que a "salvação" era alcançada neste mundo, sendo nossas conquistas
obtidas enquanto no corpo físico estendidas para os estados fora do
corpo.
Os budistas, porém, sempre souberam que viver
num corpo físico é indispensável para se alcançar a iluminação. O corpo deve ser
considerado como um veículo a ser usado para nossa jornada rumo ao Nirvana e,
portanto, deve ser devidamente cuidado. Para isto o Buda recomendou a ascese, ou
seja, práticas espirituais visando a purificação. Só que, não com aquele extremo
rigor de virtual tortura do corpo que os antigos ascetas da tradição hindu
faziam. Chegavam até enfiar pregos na mão e em outras partes do corpo, dormir
como os faquires em camas de pregos e outras práticas chocantes para nossa
cultura ocidental. O Buda disse que nada disso é necessário, sendo mesmo
contraproducente. Devemos cuidar do corpo com esmero e atenção mas sem ir para o
outro extremo. Daí Buda falar no caminho do meio. Nem a licenciosidade de uma
vida de prazeres mundanos, nem tampouco um ascetismo exacerbado que prejudica o
corpo. Devemos tratar o corpo como se ele fosse nosso animal de serviço. Devemos
alimentá-lo bem mas não a ponto dele ficar muito gordo e não poder trabalhar
direito. Por outro lado não podemos deixar de alimenta-lo o suficiente a ponto
de emagrecer e não ter mais força para trabalhar. Então a alimentação e todo o
cuidado do corpo deve ser efetuado com o objetivo de prestar serviço para o
verdadeiro senhor do corpo que é a alma, ou o continuum mental na concepção
budista.
Parte da atitude de medo e rejeição da morte
entre os cristãos deve-se ao mal entendimento de algumas passagens da Bíblia,
como por exemplo: "Quem ama a sua vida a perde. E quem odeia a sua vida nesse
mundo, guarda-la-á para a vida eterna". "Se o grão de trigo que cai na terra não
morrer, permanecerá só. Mas se morrer produzirá muito fruto". Numa primeira
leitura, uma leitura literal que não nos leva muito longe no entendimento da
mensagem bíblica, poderíamos pensar, "não gosto disto; está dizendo que temos
que morrer, temos que cair na terra e morrer para dar fruto". Mas esta não é em
absoluto a mensagem que o Salvador nos legou. A renúncia é que está sendo
expressa através dessas passagens. Devemos renunciar ao mundo e não continuar a
viver como se este mundo e seu prazeres fossem o objetivo último de nossa
vida.
JESUS, BUDA E OS DOGMAS
Outra área de semelhanças entre as duas
tradições é a organização e atuação das Ordens Monásticas. Os monges budistas e
os discípulos de Jesus foram instruídos para atuar como pregadores itinerantes,
mendicantes, vivendo para servir os outros, aceitando o que lhes era oferecido.
Jesus inclusive disse para os seus discípulos que eles deveriam visitar todos os
lugares para pregar o evangelho. Lembremos que 'evangelho' significa "Boa Nova".
Assim, deviam pregar a Boa Nova sem levar dinheiro, roupas e provisões. A razão
para isto é que eles deviam se integrar nas comunidades onde fossem pregar e
aceitar o óbulo ou hospitalidade que lhes fosse oferecido. Com o passar dos
séculos o rigor destas regras foi sendo diminuído. Atualmente, a Ordem dos
Franciscanos e dos Trapistas, são as que mais se aproximam das ordens budistas.
É curioso observar que nas ordens budistas e nas cristãs os monges devem fazer
três votos: de pobreza, castidade e obediência. Só que entre os cristãos, o voto
de obediência era para com o chefe da Ordem. Entre os budistas, no entanto, o
voto é sempre voltado para o Dharma, isto é, obediência aos ensinamentos do
Mestre. Os monges budistas, como seus irmãos cristãos, comprometem-se a divulgar
a doutrina libertadora. Porém, eles são extremamente respeitosos para com as
pessoas. Ao contrário de seus irmãos cristãos, não tentam converter os outros
contra sua vontade. Na verdade, é uma prática budista que quando um monge chega
num determinado lugar, ele só fará uma pregação sobre um determinado assunto se
for solicitado.
O papel da teologia é outra área de paralelos.
Tanto Buda quanto Jesus não estavam preocupados com teologia e dogmas, ao
contrário do que parece ser a preocupação daqueles que se dizem herdeiros dessas
duas tradições. Mas a preocupação central destes dois grandes seres era com a
realidade da vida humana e a libertação do sofrimento. Ambos pregavam que o ser
humano deve se dedicar ao supremo bem, sempre imutável e confiável. Jesus
chamava esse Bem Supremo de Deus-Pai. E Buda chamava esse bem supremo de Dharma.
Vimos anteriormente que o budismo é uma religião não-teísta, mas que os
ensinamentos do senhor Buda, o Dharma - que significa Lei - é um reflexo da Lei
Maior. Essa Lei Maior, a Lei que rege o universo e toda a manifestação, é uma
expressão de Deus. Se meditarmos com atenção, vamos concluir que Deus sendo
absolutamente transcendente, uma das poucas maneiras que podemos tentar conhecer
a Deus, é conhecer as Leis que regem o nosso universo. Ainda que sem fazer
referências a Deus, os mestres budistas procuram fazer exatamente
isso.
Agora, uma diferença. Os autores gnósticos
usavam mitos cosmogônicos e cosmológicos como instrumentos para suas instruções.
A cosmologia tem como objetivo apresentar o processo da criação desde o nível
mais sutil, Deus transcendente, até o mais denso, o nosso mundo material,
passando por todos os estágios intermediários. A razão para o uso deste método é
a instrução sobre a lei dos ciclos, que rege tanto o macrocosmo (o universo)
como o microcosmo (o homem). O processo de surgimento, ou emanação, oferece para
o buscador da verdade as indicações do caminho de retorno à Fonte, que é o
objetivo último de todos os seres. No entanto, como o budismo é uma religião
não-teísta, eles não podiam servir-se de cosmogonias como os
cristãos.
A NATUREZA LUMINOSA
A natureza do homem é outro paralelo. Tanto os
budistas como os cristãos verdadeiros dizem que somos todos Budas, somos todos
Cristo. Só que ainda não nos tornamos conscientes de nossa realidade última e,
por isso, ainda não alcançamos o estágio da perfeição, a estatura da plenitude
do Cristo em nós. Ainda somos Budas, ou Cristos, em estado de semente. Cristo,
ou Buda, encontra-se em nosso interior em forma latente. Todo o ensinamento dos
Mestres é voltado para fazer com que Buda, ou Cristo, em nosso interior, possa
manifestar-se em toda sua plenitude. Por isto o apóstolo Paulo disse: "Não
sabeis que sois um templo de Deus e que o Espírito de Deus habita em vós?" (1 Co
3:16), e nos urgia a desabrocharmos nossa natureza interior: "Cristo em vós,
esperança de glória." (Cl 1:27).
A natureza de Buda se encontra na mente de cada
um. É a pura luz de Rigpa, a natureza essencial da mente. O conhecimento de
nossas inúmeras fraquezas dificulta a aceitação da premissa básica de nossa
natureza divina. No entanto, podemos valer-nos da imagem do lótus que tem suas
raízes no lodo, portanto, na matéria, tem seu caule estendendo-se através da
água, portanto, do mundo das emoções, de vibrações geralmente pesadas, mas que
abre a sua flor ao sol, no mundo superior do ar, da mente, onde exala o seu
perfume. O lótus também tem outra característica muito pertinente para o ser
humano. Em cada semente de lótus encontra-se uma miniatura da planta adulta.
Nossa vida assemelha-se ao lótus, assentada no lodo da materialidade mas
almejando alcançar o alto. Como o lótus, temos também dentro de nós a semente
das características divinas que vamos manifestar quando desabrocharmos e
alcançarmos nossa plenitude. Na tradição cristã a imagem da semente é utilizada
na parábola do grão de mostarda, a menor de todas as semente, que quando cresce
torna-se a maior de todas hortaliças dando sombra e abrigo às aves do
céu.
Outras semelhanças importantes são as imagens da
porta e do caminho. Ambos, Cristo e Buda são descritos como a porta e o caminho.
Buda mostra o caminho para a libertação. A tradição budista, porém, afirma que
existem oitenta e quatro mil portas. Essas seriam as portas do dharma,
constituindo o corpo Dharmakaya. Jesus, por sua vez disse , "Eu Sou a Porta das
ovelhas", "Eu Sou o Caminho, a Verdade e a Vida. Ninguém vem ao Pai senão por
Mim". Essas passagens devem ser estudadas com atenção porque tendemos a
entendê-las de forma literal. Ao dizer, "Eu Sou", Jesus não estava sendo
personalista como sendo o Caminho, a Verdade e a Vida. Conhecedor da tradição
cabalista, utilizava a expressão "Eu Sou" para referir-se a Deus. Os judeus,
dentre os muitos nomes de Deus, usavam "Eu Sou" como um termo apropriado para
transmitir uma idéia da Deidade Suprema. Ao contrário dos homens que vivem no
mundo da dualidade e precisam qualificar-se de forma diferenciada dizendo, "eu
sou alto, magro, cristão, jovem, advogado, etc", Deus é simplesmente referido
como "Eu Sou", porque não pode ser qualificado já que expressa a "Seidade" e
abrange a totalidade do que foi, é e será.
Reencarnação e carma são também pontos comuns.
Apesar da tradição ortodoxa cristã não indicar que a reencarnação faz parte dos
ensinamentos de Jesus, podemos identificar várias passagens da Bíblia que se
referem à reencarnação. Infelizmente a Bíblia foi muito retocada ao longo dos
séculos e muitas passagens foram adulteradas ou simplesmente retiradas quando
batiam de frente com os dogmas estabelecidos pela Igreja. Porém, as referências
eram tantas que ainda sobraram algumas, dentre as quais a que Jesus diz
claramente que João Batista é Elias que havia retornado à Terra. Outras
passagens são mais veladas, como a do cego de nascença; perguntam a Jesus quem
havia pecado, o cego ou seus pais e o Mestre respondeu que nem o homem (naquela
encarnação) nem seus pais, mas que aquilo havia ocorrido para que se cumprisse a
lei (a lei de causa e efeito que opera mesmo após uma ou várias
encarnações).
BUDISMO NA JUDÉIA?
Como explicar tanta semelhança entre as duas
tradições? Existem várias teorias para isso. Uma é que Jesus teria vivido na
Índia dos doze aos trinta anos, onde teria recebido instruções budistas.
Pessoalmente não creio que Jesus tenha vivido na Índia. Quem teria vivido na
Índia no século I dC. foi Apolônio de Tiana e as estreitas semelhanças entre
estes dois personagens históricos têm induzido muitos estudiosos a erro. Por
isto muitos acreditam que Jesus viveu na Índia e, tendo recebido ensinamentos
budistas, esta seria a explicação para os paralelos entre as duas tradições.
Outra teoria é que Jesus teria sido um discípulo do Buda. Na verdade, essa
teoria postula que quase todos os seres avançados do mundo teriam sido
discípulos do Buda. E Jesus, sendo um Arhat, um ser de grande realização
espiritual, podia recuperar os ensinamentos recebidos cinco séculos antes,
quando foi discípulo do Buda. Por isso, seus ensinamentos refletem também os
ensinamentos de seu mestre, o Buda. Essa é outra teoria.
Uma terceira é que os monges budistas enviados
pelo rei Ashoka a várias comunidades do Oriente Médio, tiveram contato com as
comunidades essênias para as quais transmitiram o dharma. Mais tarde, Jesus e
seus discípulos teriam aprendido a essência dos ensinamentos budistas na
comunidade essênia de Qumram. Vários indícios históricos me levam a crer que
esse processo realmente ocorreu. Algumas fontes esotéricas indicam que um monge
budista avançado teria sido enviado à Palestina nos tempos de Jesus, com a
missão específica de contatar a comunidade de Qumram. Esse monge teria levado
vários textos budistas para a Palestina, da forma usual naqueles tempos, ou
seja, de memória. Esse monge tornou-se um discípulo de Jesus sendo conhecido
pelo nome de Tomé. É por essa razão que a tradição cristã indica que um dos
discípulos de Jesus, depois da morte do Mestre, foi para a Índia onde converteu
muitas pessoas e estabeleceu no sul da Índia, em Madras, uma comunidade do
cristianismo primitivo. Cerca de dezesseis séculos mais tarde, quando os
missionários católicos e protestantes chegaram à Índia, encontraram essa
comunidade cristã firmemente constituída. Temos, então, várias teorias para
explicar os paralelos identificados entre as duas tradições.
Estamos certos, porém, que alguns estudiosos vão
descartar todas estas teorias argumentando que, mais que teorias elas são
fantasias, pois não existem provas concretas para fundamentar nenhuma delas.
Mesmo neste caso poderíamos sugerir ainda outra maneira para explicar os
paralelos entre as tradições budista e cristã. O argumento seria de que as
semelhanças são naturais porque todas as tradições originam-se de uma única
fonte. Essa é a religião-sabedoria propalada pela teosofia. O moto da Sociedade
Teosófica: "Não há religião superior a verdade," reflete esta realidade milenar,
pois a verdade subjaz a tudo o que é ensinado pelos grandes seres, os
instrutores da humanidade. E essa verdade só pode ser uma só. Ela é apresentada
com diferentes roupagens para diferentes culturas ao longo do tempo. Porém, à
medida que mergulhamos na essência do ensinamento de cada religião, deixando de
lado as idiossincrasias separatistas enganosas, percebemos a beleza do
ensinamento que une toda a família humana. Assim, não deve ser nenhuma surpresa
para nós, verificarmos que existem muito mais convergências entre budismo e
cristianismo do que pontos de divergências.
Para encerrar esta apresentação sintética e
parcial dos paralelos entre as tradições budista e cristã, gostaria de chamar a
atenção para outra convergência que está mascarada por uma aparente divergência
gritante entre budismo e cristianismo. Trata-se da aparente oposição entre
prática ativa e fé passiva. Para os budistas, a prática dos ensinamentos é tão
fundamental que eles gostam de chamar a si mesmos de praticantes, mais
especificamente, de praticantes do dharma. Os cristãos, por sua vez, orgulham-se
de ser conhecidos como crentes ou fiéis. Sua característica religiosa
fundamental seria a crença em Jesus, ou mais especificamente, no dogma de que
Jesus é o Filho unigênito de Deus Pai, que veio ao mundo para morrer na cruz
para remir os pecados do mundo. Se observarmos a realidade da vida do cristão
comum, chegamos à conclusão de que o cristianismo não dá muita importância às
práticas espirituais. A transformação interior, baseada nos ensinamentos e no
exemplo de vida de Jesus, não constitui o objeto central da religiosidade
cristã, mas sim a atitude de crença nos dogmas e participação nos rituais
externos da Igreja, como a ida a missa ou ao templo.
Reiteramos, no entanto, que nossa comparação é
com o cristianismo primitivo e não com o cristianismo posterior ao Concílio de
Nicéia, no início do quarto século. A atitude das primeiras comunidades cristãs,
mais tarde conhecidas como gnósticos, era inteiramente diferente no que diz
respeito às práticas espirituais. Vale lembrar que nas primeiras décadas após a
morte do Salvador, os discípulos do Mestre eram conhecidos como "seguidores de
Jesus" porque procuravam emular o exemplo de vida de Jesus. Portanto, a prática
espiritual estava no centro da vida daquelas comunidades, conhecidas pelo termo
grego original de eklesia, ou seja, a assembléia dos praticantes. Isto pode ser
confirmado por uma passagem que escapou da tesoura dos censores posteriores,
numa epístola de Tiago: "Tornai-vos praticantes da Palavra", ou seja, dos
ensinamentos de Jesus, "e não simples ouvintes, enganando-vos a vós mesmos." Se
tivermos a atitude passiva de ouvir a pregação do padre ou pastor no fim de
semana sem colocamos em prática em nossa vida diária os ensinamentos nela
contidos, não iremos muito longe na vida espiritual.
Uma análise mais aprofundada da Bíblia revela
outras passagens em que Jesus ensinava a importância da prática espiritual. Por
exemplo: "Pedi e vos será dado. Buscai e achareis. Batei à porta e ela vos será
aberta". Alguns "fieis e crentes" julgam que esta passagem é uma licença do
Mestre para pedirmos, no atacado e no varejo, todas as benesses que queremos que
Deus nos dê de graça. As comunidades monásticas, para não dizer os místicos e
santos, sempre souberam a verdade, ou seja, que a prática espiritual é a
essência da verdadeira religiosidade cristã. Ora, como Deus é Espírito temos que
pedir, buscar e bater à porta de uma forma espiritual. Como é que nos
comunicamos com Deus? Como mostramos nosso amor a Deus? Como nos sintonizamos
com Deus? A resposta óbvia é: cumprindo a vontade de Deus, ou seja, agindo como
Deus nos ensina através dos seus grandes mensageiros, como Jesus e o senhor
Buda. E o objetivo dos ensinamentos de todo grande Mestre é sempre a mudança de
vida do ser humano, da vida mundana para a vida responsável voltada para o Alto
em busca da perfeição, que é a estatura da plenitude de Cristo.
Raul Branco
Fantastico texto ...adorei maravilhoso
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