terça-feira, 16 de agosto de 2011

PISTIS SOPHIA INTRODUÇÃO


Por mais de dois séculos Pistis Sophia (PS) frustrou as tentativas de pesquisadores e estudantes da tradição esotérica de entender a importante mensagem que se acreditava oculta neste texto. Afinal, o livro pretende conter instruções esotéricas ministradas por Jesus a seus discípulos, após ressuscitar. Alguns estudiosos, como Jean Dorese, não conseguiram esconder sua frustração ante a linguagem impenetrável de seu simbolismo. Outros sugeriram somente descrições genéricas do texto, sem se aventurar em análises ou comentários hermenêuticos.

Mas as tentativas de interpretação do texto prosseguiram. Jan van Rijckenborgh, um líder da Rosacruz Áurea muito influente da Holanda, morreu em 1968 sem completar sua obra com o título de Lês Mysteres Gnostiques de la Pistis Sophia, em que são apresentadas muitas percepções interessantes sobre o texto. O rabino israelense Jodachay Bilbakh apresentou a seus estudantes um texto chamado O Evangelho de Pistis Sophia, que foi traduzido do hebraico e circulado entre os membros da Fraternidade Jessênia no Brasil, em 2001, com comentários baseados principalmente na cabala.

Um livro de peso foi publicado por J. J. Hurtak e Desiré Hurtak, com mais de 900 páginas, em 1999, com o título de PISTIS SOPHIA, A Coptic Gnostic Text With Commentary, mais tarde traduzido para o português. Hurtak parece ter recebido muita inspiração, pois no início da década de setenta, afirmou ter recebido em seu quarto um ser de luz que anunciou ser o Mestre Ofanim Enoch, que o levou aos céus, passando por diferentes regiões, a começar pelas estrelas Mérak e Muscida, depois pela estação intermediária de Arcturus, um paraíso superior de Luz conhecido como o sétimo céu, pela região de Saiph no campo estelar de Orionis, quando se deparou com um ser de luz chamado Metatron, que finalmente levou-o ao Pai Divino. Perante o Trono do Pai foram-lhe feitas muitas revelações, inclusive sua razão de viver para exaltar o Pai, o que lhe levou a preparar, entre outros trabalhos, a obra O Livro do Conhecimento: AS CHAVES DE ENOCH.

Outro autor igualmente singular é conhecido por seus discípulos como o Avatar da Era de Aquário, Samael Aun Weor, (SAW) que nasceu na Colômbia (1917-1977). SAW produziu, entre outras obras, PISTIS SOPHIA DEVELADA (em espanhol). A interpretação do texto é baseada no suposto uso por Jesus de magia sexual, que ele teria ensinado a seus discípulos. A natureza da obra pode ser inferida pelas seguintes palavras encontradas na apresentação do texto: “Nós, os quarenta e dois Juízes do Karma, reunidos em Conselho pleno, com a devida autorização da Hierarquia, e com pleno poder sobre a vida e a morte dos seres humanos deste planeta, entregamos a presente Obra: A Pistis Sophia, desvelada pelo Venerável Mestre da Fraternidade Branca, Samael Aun Weor.”

Um trabalho bem mais modesto foi preparado pelo presente autor, em seu livro PISTIS SOPHIA, Os Mistérios de Jesus, publicado em 1997, com sugestões de interpretação do texto e um resumo de sua cosmologia, utilizando como sua fundamentação anotações pouco conhecidas mas muito inspiradoras de Blavatsky.

O documento, originalmente escrito em grego e tido como perdido, foi guardado pela Providência Divina numa tradução para o copto, o dialeto sahidico do sul do Egito. A versão copta foi provavelmente escrita entre os séculos III e IV de nossa era. O códice foi levado para a Inglaterra cerca de 1772, adquirido por um médico colecionador de manuscritos antigos, o Dr. Askew, e mais tarde vendido ao Museu Britânico.

O texto completo foi traduzido para o latim por volta de meados do século XIX, por M.G. Schwartze5, mas só a partir do final do século XIX foi traduzido para línguas européias modernas (francês, alemão e inglês). As melhores versões para o inglês foram produzidas por G.R.S. Mead6 e Violet MacDermot.

O texto é dividido em três cenários principais. No primeiro, Jesus está com seus discípulos, após sua ressurreição, no Monte das Oliveiras e, depois de algum tempo, em meio a trovões e relâmpagos, é elevado ao alto em meio de uma intensa luz ofuscante. É reiterado que sua gloriosa ascensão ao alto ocorreu na data da lua cheia de Thebet, isto é, na lua cheia de maio, conhecida como o período do ano mais favorável para contatos interiores e iniciações esotéricas, tais como o Festival de Wesak. Depois de trinta horas, Jesus retorna, envolto em três vestes de luz, com um brilho mais intenso do que quando ele havia ascendido. Em aparente confirmação da alta iniciação que lhe havia sido conferida, ele dirige-se aos discípulos, anunciando que, "A partir deste dia, vou falar-vos abertamente, desde o princípio da Verdade até o seu término (Plenitude); e vou falar, face a face, sem (usar) parábolas. A partir deste momento não vos esconderei nada do (mistério) do alto e do lugar da Verdade. Pois, autoridade me foi dada, por intermédio do Inefável e do Primeiro Mistério de todos os mistérios, para falar-vos, desde o Princípio até a Plenitude (Pleroma), tanto de dentro para fora como do exterior para o interior. Ouvi, portanto, para que vos possa dizer todas as coisas". (cap. 6).

Os dois outros cenários do texto são a narrativa da estória de Pistis Sophia e instruções adicionais aos discípulos na forma usual de diálogos. Uma imensa riqueza de informações é oferecida, incluindo a interpretação esotérica de diversas parábolas e ditados públicos de Jesus, bem como a natureza dos mistérios.

Este artigo restringe-se à parte intermediária da obra, o mito de Sophia, que é a revelação mais profunda feitas diretamente por Jesus sobre a peregrinação da alma, incluindo o processo de salvação ou, para usar a terminologia do texto, a libertação do caos.

Após seu retorno do Alto, Jesus descreve aos discípulos as hierarquias dos vários planos pelos quais passou a caminho do Alto. Essa extensa enumeração de entidades espirituais é, inicialmente, bastante confusa, pois em nenhuma parte do texto existe qualquer explicação dessa terminologia nem do sistema cosmológico a que essas entidades pertencem. O entendimento da cosmologia da obra tem sido o principal óbice para a interpretação do texto pelos estudiosos.

Jesus encontra Pistis Sophia abaixo do Décimo Terceiro Eon, seu lugar de origem. Ela estava sozinha sem seu par e seus irmãos, triste e chorosa devido aos tormentos que o Autocentrado11 lhe havia infligido com a ajuda de suas emanações e dos doze eons.

Pistis Sophia estava inicialmente no Décimo Terceiro Eon com seus vinte e três irmãos e irmãs. Quando ela viu a Luz do Alto no véu do Tesouro de Luz, começou a cantar louvores àquela luz.

As “metanoias” de Pistis Sophia são a chave para a sua salvação final; essa palavra grega geralmente traduzida como arrependimento, tinha o significado mais amplo de “mudança de mente” ou “transformação interior”. Nessas treze “transformações interiores”, seguidas por onze canções de louvor à luz, ela conta a sua estória e reitera sua fé na luz e o anseio de ser livre das aflições do caos e de voltar ao seu lugar de origem. Ela é libertada eventualmente do caos com ajuda de seu par, Jesus, agindo com a autoridade do Primeiro Mistério, com auxilio dos Arcanjos Gabriel e Miguel.

Em todas as tradições esotéricas, as mais importantes instruções internas são sempre transmitidas em linguagem simbólica, velando assim o sagrado aos olhos profanos, oferecendo com isso um método para desenvolver a intuição nos discípulos. Com raras exceções, os nomes usados em PS para caracterizar as diferentes entidades e planos não têm nenhuma conexão com a tradição judaica que a precedeu nem com a cristã que a sucedeu.

O simbolismo de Pistis Sophia é extremamente engenhoso em sua simplicidade. As entidades da estória representam os princípios do homem, revelando com isso o sistema psicológico subjacente aos ensinamentos de Jesus. Um nível adicional de simbolismo é introduzido no texto, através da gematria, ou seja, das correspondências numéricas das palavras [no original grego], com seus significados mais profundos.

Pistis Sophia representa a alma, ou mais especificamente, a parte da alma que encarna, a parte da mente concreta que é a unidade de consciência do homem. Seu nome é uma chave para seu papel: Pistis é a palavra grega para 'fé'. Não a fé cega, mas a fé que surge com a total convicção do conhecimento interior. Sophia é 'sabedoria' em grego. Assim, seu nome composto indica o princípio fundamental (fé na Luz do Alto - um aspecto de Deus) que a capacita a realizar sua missão, ou seja, o desenvolvimento da sabedoria em ambos os mundos (material e espiritual).

Seu par é Jesus, um símbolo para a alma espiritual do homem que permanece nas regiões do Alto, quando PS desce ao caos. Essa informação é de suma importância, porque expressa a separação de consciência entre a natureza inferior e a superior do homem. Ainda que em sua essência última o homem seja uno com seu Eu divino, o nível usual da consciência do homem não pode alcançar os planos espirituais, portanto, no mito, Pistis Sophia e Jesus são devidamente apresentados como entidades separadas.

O papel de Jesus na estória é uma das partes que oferece maior dificuldade para ao leitor, em virtude de nosso condicionamento mental com relação à posição de Jesus na ortodoxia cristã. No texto temos o termo 'Jesus' um momento representando o Mestre instruindo seus discípulos e, no momento seguinte, representando um dos três aspectos da natureza superior do homem: a mente concreta não conspurcada [o par de PS], a mente abstrata [o Salvador] e o princípio Búdico ou intuição, também chamado de Cristo interior [o Primeiro Mistério Voltado para Fora].

O sistema cosmológico de Pistis Sophia é apresentado no quadro a seguir. As principais entidades são mostradas em seus respectivos planos e regiões, juntamente com seus principais títulos.

Uma entidade pode ser ativa em seu próprio plano e nas regiões e planos abaixo deste. Assim, Pistis Sophia e o Autocentrado, cuja região de origem é o Décimo Terceiro Eon (Esquerda do Plano Psíquico) permanecem ativos no Plano Hílico justamente abaixo (o Plano Astral). O mesmo pode ser dito de Jesus agindo como o Primeiro Mistério Voltado para Fora, que exerce suas atividades em todos os três planos abaixo de sua região de origem.

O sistema cosmológico de Pistis Sophia torna-se uma fonte de esclarecimentos quando a terminologia é despida de seu mistério. Dois estágios são claramente indicados, o não-manifestado e a manifestação.

Quando o Inefável decide manifestar-se no processo de auto-expressão para realizar Seus propósitos, Ele projeta de Si mesmo toda uma série de entidades que são dispostas ao longo de cinco planos em ordem crescente de densidade. Esses planos poderiam ser chamados, de acordo com a linguagem moderna: Divino (Os Mistérios do Inefável), Espiritual (Tesouro de Luz), Mente Concreta (Plano Psíquico), Astral (Hílico) e Físico (Material). A característica inovadora da cosmologia de PS é que cada plano é dividido em três regiões: direita, meio e esquerda. A direita é sinônimo de superior e a esquerda de inferior. As entidades da direita têm a função de estabelecer os ideais ou arquétipos daquele plano, as do meio a função de manutenção ou sustentação, garantindo condições apropriadas e, finalmente, as da esquerda que estão engajadas na implementação das atividades estabelecidas para cada plano. Seus papéis poderiam ser descritos como de pai, mãe e filho ou, também, de semente, solo e fruto.

A Deidade Suprema não-manifesta não é chamada de Deus, mas simplesmente de Inefável, Aquele ou Aquilo sobre o Qual nada é conhecido e Que está infinitamente além de qualquer caracterização pelo homem. Dentro do Inefável, e como parte intrínseca de seu Ser, encontram-se os Membros do Inefável, transmitindo a idéia implícita de unidade, como ocorre com os membros de um homem, que são partes do ser humano, porém dotados de funções específicas. Entre os últimos membros do Inefável encontram-se os sem-pais ou não gerados, que correspondem às Mônadas, referidas na Vedanta e na Teosofia pelo termo sânscrito Anupadaka, que significa 'sem pais'.

A entidade mais elevada no Plano Divino é chamada de Mistério do Inefável, ou Logos. Ele é a Fonte de tudo o que existe, visível e invisível, o criador do arquétipo de todo o plano da manifestação. Imediatamente abaixo dele encontra-se o Primeiro Mistério, em seu duplo aspecto: Voltado para Dentro e Voltado para Fora. O Primeiro Mistério é o mistério da unidade, e seu aspecto Voltado para Dentro é Atma ou o Espírito, que abrange e interpenetra tudo o que existe. O Primeiro Mistério Voltado para Fora é o veículo de Atma, ou seja, Buddhi, também conhecido na tradição ocidental como o Cristo.

O plano abaixo é o Plano Espiritual, Pleroma ou Tesouro de Luz, que corresponde ao plano da mente superior ou abstrata. Ele corresponde ao conceito ortodoxo de Céu, onde as almas encontram sua bem-aventurança uma vez libertadas do caos. A entidade mais elevada deste plano é IEU, também referido pelos títulos de Supervisor da Luz e Primeiro Homem. Essa última expressão revela seu papel como Adão Kadmon, ou o Manu da Raça Humana12, que se encarnou para estabelecer o arquétipo da primeira raça humana.

Também na região da direita do plano espiritual encontra-se Melquisedec, o Manu da Quinta Raça [a atual], o Grande Recebedor da Luz. Vale mencionar que a Igreja Primitiva reverenciava a figura de Melquisedec como indicado na epístola aos Hebreus, onde é dito que Jesus foi 'feito sumo sacerdote para a eternidade, segundo a ordem de Melquisedec' (Hb 6:20). A caracterização dessa entidade na epístola é muito semelhante a que se encontra em PS: 'Este Melquisedec é, de fato, rei de Salém, sacerdote de Deus Altíssimo. Seu nome significa, em primeiro lugar, Rei de Justiça, e, depois, Rei de Salém, o que quer dizer Rei da Paz. Sem pai, sem mãe, sem genealogia, nem princípio de dias nem fim de vida!' (Hb 7:1-3).

Outra característica interessante da cosmologia de Pistis Sophia é que cada plano é um reflexo dos planos que lhe estão acima. Assim, as entidades da direita de cada plano agem como delegados do Logos, desabrochando o modelo fundamental, ou arquétipo, para seu próprio plano. O processo de manifestação segue este modelo, da ideação para a criação em cada plano subseqüente.

O mito é mais uma representação da jornada de retorno da alma à Casa do Pai. Pistis Sophia 'cai' de sua região original, perseguindo uma miragem, um reflexo da Luz do Alto percebido no plano inferior como um poder com cara de leão, que é o poder da matéria, ou seja, o egoísmo. Essa queda, devido a ignorância, foi seu 'pecado original', mas é dito que Pistis Sophia agiu assim sob o comando do Primeiro Mistério, ou seja, seguindo um impulso interior para obedecer o desígnio do Plano Divino, provavelmente com o objetivo de que o Espírito pudesse manifestar-se inteiramente através da matéria, que foi expresso na recomendação bíblica: 'deveis ser perfeitos como o vosso Pai celeste é perfeito' (Mt 5:48).

Com algum esforço da imaginação podemos visualizar a unidade de consciência do homem aventurando-se do plano mental e lentamente sendo seduzida pelas vibrações totalmente novas das emoções e dos sentimentos, dos desejos e das paixões. À medida que Pistis Sophia consentia a essas vibrações ela se tornava cada vez mais emaranhada nesse novo nível vibratório e, com a repetição, tornava-se tão impregnada com elas que se estabelecia um condicionamento, ou tendência, mantendo-a virtualmente prisioneira do caos.

O texto deixa implícito que quando a unidade de consciência, Pistis Sophia, desce ao caos, isso significa que o homem encarna-se, ou seja, assume os veículos necessários para a manifestação no mundo material. Isso quer dizer que tanto no plano astral como no físico a alma é 'envolvida' por 'corpos' apropriados para o funcionamento naquele plano, como um homem colocando um escafandro para poder atuar no fundo do mar. Deve ser lembrado que as entidades da região do meio em cada plano têm a função maternal de prover as condições apropriadas e de nutrir. Assim, no plano astral, a Providência13 lega todas as tendências de outras vidas que oferecem inúmeras oportunidades para o indivíduo aprender todas as lições que ainda não foram aprendidas. No plano físico, a região do meio fornece um corpo físico ao indivíduo que é adequado para vivenciar o tipo de vida que o aguarda, resultado de seu carma.

É interessante notar que a estória de Sophia expressa a realidade como vista do Alto, isso é, de um ponto de vista espiritual. Assim, quando Pistis Sophia reclama que os regentes dos eons estão oprimindo-a, tentando tirar a sua luz, isso pode expressar o fato de que a personalidade experimentou uma vibração pesada, agressiva ou desagradável, como um ataque de raiva, um sentimento de ódio, disse uma mentira, etc. Mas uma 'opressão dos regentes' também pode significar, do ponto de vista da personalidade, experiências imoderadas de gratificação dos sentidos, que para o homem do mundo representam 'alegria de viver' ou 'diversão', mas que para a alma, vendo a realidade do ponto de vista da luz interior, representam uma aflição pela qual ela terá que pagar caro.

Temos aqui a representação clássica da luta entre as forças da escuridão e da luz. Pistis Sophia, a alma encarnante, procura ascender ao alto, mas tem que lutar a cada passo do caminho, desde a alvorada do tempo, contra as perigosas forças do mal e da escuridão, que não são forças exógenas atacando do exterior. Os inimigos do homem estão entrincheirados dentro de seu próprio castelo, ou seja, são suas próprias emoções, desejos e paixões sob o comando do Autocentrado, a personalidade egoísta, presunçosa e orgulhosa.

Pistis Sophia busca sua libertação com suas ‘metanóias’, geralmente referidas como 'arrependimentos', treze ao todo, seguidos por onze canções de louvor à luz. A palavra 'arrependimento' está no cerne da tradição cristã, porém, no original grego, metanóia, tinha o significado bem mais amplo de mudança na maneira de pensar, ou mudança no estado mental da pessoa, que tinha como uma de suas conseqüências o que hoje chamamos de arrependimento. Portanto, cada 'metanóia' no mito está indicando que o homem está passando por uma transformação mental que, por sua vez, se reflete em mudanças de atitudes, valores e comportamento. O Caminho, ou Senda, tão decantado em todas as tradições esotéricas, apesar de ter uma conotação de estrada física é, na verdade, esse processo de mudança interior. Esta verdade está por trás da declaração na Voz do Silêncio de que o homem não pode entrar no Caminho até que ele se torne o Caminho.

Essa chave para a evolução humana, a transformação da mente, está implícita na frase poética de João da Cruz, 'transcendendo a razão com meus pensamentos', e explícita na recomendação de Paulo aos romanos: 'E não vos conformeis com este mundo, mas transformai-vos, renovando a vossa mente, a fim de poderdes discernir qual é a vontade de Deus, o que é bom, agradável e perfeito' (Rm 12:2). Como não poderia deixar de ser, a recomendação para transformar a mente é também o axioma central da doutrina budista.

A natureza esotérica dos ensinamentos de PS é constatada nesse enfoque fundamental para a salvação, ou seja, a mudança de dentro para fora, e não meramente a obediência a uma série de preceitos, como na tradição ortodoxa judaica de obediência aos 613 preceitos da Tora. Jesus torna este ponto bem claro em seus ensinamentos públicos quando diz: 'Com efeito, eu vos asseguro que se a vossa justiça não exceder a dos escribas e a dos fariseus, não entrareis no Reino dos Céus' (Mt 5:20). Em nenhuma parte do texto de Pistis Sophia encontramos Jesus pregando um código moral de comportamento. O que é dito e reiterado é que o homem deve renunciar a este mundo e transformar a sua mente se pretende buscar e receber os mistérios que lhe abrirão as portas da Herança da Luz.

Se por um lado as parábolas de Jesus e outros ensinamentos públicos atacam com freqüência a sabedoria convencional expressa como obediência à Lei Mosaica, parece haver uma clara intenção em Pistis Sophia de indicar que os ensinamentos de Jesus tinham um elo com a tradição dos Profetas, especialmente como expressa nos Salmos de Davi, nas Odes de Salomão e nas profecias de Isaias, pois estes são citados como 'interpretação' das metanóias e canções de louvor de PS.

As vinte e quatro ‘transformações da mente’ e invocações proferidas por Pistis Sophia são indicativas da natureza lenta do processo de mudança necessário para transformar um homem do mundo no 'estado de Homem Perfeito, a medida da estatura da plenitude de Cristo' (Ef 4:13). Cada mudança interior indica um estágio de renovação da mente no caminho espiritual.

Quando as metanóias e canções de louvor de Pistis Sophia são examinadas mais detidamente, nota-se alguns pontos críticos indicando mudanças fundamentais em sua situação, à medida que ela livra-se lentamente do caos. Essas mudanças fundamentais podem ser associadas às cinco grandes iniciações da tradição esotérica.

Os insistentes apelos de Pistis Sophia à Luz do Alto são finalmente ouvidos e, após seu sexto arrependimento, seu pecado de descer ao caos sozinha sem seu par é perdoado e Jesus, por sua própria conta (o poder da Mente), leva Pistis Sophia para 'uma região um pouco mais espaçosa no caos'. Este alívio relativo das opressões do caos parece uma indicação da Primeira Iniciação.

Quando os regentes percebem que Pistis Sophia não tinha sido retirada inteiramente do caos, retornam com esforços redobrados para afligi-la e, então, ela continuou a apresentar seus votos de mudança interior. Depois da nona metanóia, sua súplica pedindo ajuda à Luz foi parcialmente aceita e Jesus foi enviado pelo Primeiro Mistério (a mente pura reforçada pelo poder do Cristo interior) para ajudá-la a escapar secretamente do caos. A partir deste momento Pistis Sophia percebe Jesus como uma Luz brilhando intensamente, provavelmente uma indicação da abertura de sua visão espiritual, ou expansão de consciência devido à Segunda Iniciação.

Mas os desejos e as emoções provocados pelas coisas materiais continuam a ser sentidos, pois as emanações de Autocentrado e os poderes dos regentes mudam de forma à medida que o homem conquista as vibrações mais grosseiras. Depois da décima terceira metanóia, Jesus envia por sua própria conta [o poder da Mente], um poder de luz para ajudar a levá-la às regiões mais elevadas do caos. O processo iniciático continua com a décima quarta invocação, quando um poder de luz é enviado pelo Primeiro Mistério [o poder da pura luz de Cristo], e os dois poderes juntam-se tornando-se uma grande corrente de luz, formando uma coroa protetora de luz sobre a cabeça de Pistis Sophia. Esta parece uma descrição do glorioso estágio de iluminação alcançado com a Terceira Iniciação, um estágio em que períodos de consciência da unidade com Deus e com o Todo são alternados com a consciência de dualidade normal do mundo.

A partir de então, a alegria de Pistis Sophia torna-se o tema central de suas canções de louvor nas quais ela reitera sua determinação de permanecer firme e nunca mais se afastar da luz. Mas os poderes das trevas não desistem e novas emanações mais fortes do Autocentrado são enviadas para juntar-se às outras, que mudam de aparência, para oprimir Pistis Sophia e levá-la para o fundo do caos outra vez. Depois de sua décima sexta invocação suplicando pela ajuda que lhe havia sido prometida, ela é salva mais uma vez pela corrente de luz, com a ajuda dos Arcanjos Miguel e Gabriel. Jesus [o poder de Buddhi-Manas] também desce ao caos para ajudar Pistis Sophia e ele faz com que ela pise sobre a principal emanação malévola de Autocentrado, uma serpente com sete cabeças. Esse ritual simbólico parece uma indicação de que o processo de libertação está chegando a seu término. Pisar sobre a cabeça da serpente simboliza matar as sementes do mal no interior do homem, ou seja, a ilusão da separatividade.

Apesar de suas elevadas realizações, a alma ainda está sujeita às aflições dos poderes materiais sutis, e Pistis Sophia continua suas invocações. Jesus leva-a a uma região logo abaixo do décimo terceiro eon, seu lugar de origem, mas avisa-a que Autocentrado [a personalidade] está furioso com ela e que ele vai tentar um último ataque por meio de duas emanações trevosas e violentas para procurar levá-la de volta ao caos. Jesus deixa-a só, mas promete voltar para ajudá-la se ela se sentir oprimida e invocar sua ajuda. E, como havia sido indicado, as duas emanações trevosas e violentas [provavelmente a depressão e o desespero] atacam com toda sua força. Esta parece ser uma referência ao período chamado pelos místicos de Noite Escura da Alma15, em que o homem sente-se sozinho e abandonado por todos e por tudo, mergulhando num período de depressão que pode levar ao desespero, até que ele seja capaz de renunciar aos últimos liames que o prendem ao mundo, ou seja, seu sentimento de ser um "eu" separado, provavelmente uma referencia à Quarta Iniciação, que transforma o homem num Arhat.

Com a vigésima quarta invocação finalmente chega o momento de levar Pistis Sophia permanentemente para fora do caos de volta para o décimo terceiro eon. Pode parecer um anticlímax, um mero retorno a sua região de origem. Mas, neste momento, uma comovente surpresa aguarda o leitor. É dito que Pistis Sophia alcança sua liberação final no exato momento em que Jesus está no Monte das Oliveiras com seus discípulos no processo de ser elevado às alturas envolto em luz. Temos assim a indicação da Quinta Iniciação, tanto do ponto de vista da individualidade glorificada, Jesus, e da personalidade 'transformada' finalmente liberta da prisão do mundo. Naquele momento Pistis Sophia é finalmente reunida a seu par, Jesus, um paralelo com o sacramento da Câmara Nupcial mencionado no Evangelho de Filipe17 e a experiência dos grandes místicos no estágio final de Theosis, ou União com Deus.

Como a parábola do tesouro escondido no campo, o mito de Pistis Sophia está pronto para entregar a todo homem ou mulher que cultivar com afinco seu solo interior, um verdadeiro tesouro de ensinamentos esotéricos, escondidos ali pelo Mestre para benefício de seus discípulos de todos os tempos, e não somente para aqueles que o seguiram durante sua vida terrena na Palestina há dois mil anos atrás.

Parece que com o desvelar dos diferentes níveis de manifestação e das progressivas mudanças interiores, o livro está tentando despertar o homem para a realidade de sua origem divina e de sua missão na Terra. Ao longo da estória de Sophia e do restante do livro existem muitos ensinamentos que podem tocar a alma de cada leitor de uma maneira diferente. Neste senso o texto é mágico. Ele foi preparado para trabalhar em cada coração sincero que esta buscando com ardor e determinação as chaves para abrir as portas do Reino dos Céus.

Poderíamos concluir que Pistis Sophia, como todos as Escrituras Sagradas, é um mapa codificado que leva ao tesouro mais precioso ansiado pelo homem. Se pudermos interpretar os símbolos usados, poderemos trilhar o Caminho e achar a pérola preciosa da Gnosis, a chave que nos admite no Reino dos Céus.

Nenhum comentário:

Postar um comentário