sexta-feira, 6 de maio de 2011

JESUS CRISTO E AS TRIBOS PERDIDAS

Os acontecimentos envolvendo as dez tribos que constituíam o reino de Israel parecem se perder nas brumas da história, como denota o adjetivo “perdidas”. Seu destino parece ter sido selado com a destruição daquele reino pelo rei dos assírios Senaquerib, no século VII a.C. A partir daí, muitos de seus habitantes espalharam-se pelo mundo afora. Com o passar do tempo, os relatos a seu respeito acabaram envolvidos em lendas. Uma boa coletânea dessas lendas encontra-se no CD-Rom produzido pelo Museu da Diáspora Nahum Goldmann, de Telaviv. Falta-lhe, no entanto, uma pesquisa histórica mais completa, envolvendo a arqueologia e ciências afins.

A primeira referência decorrente de um estudo in situ que encontramos está no livro “Jesus Viveu na Índia”, do teólogo alemão Hoger Kersten, que viajou por todo o Oriente para pesquisar sobre o tema. Foi assim que detectou a presença de descendentes das tribos perdidas, desde a Turquia até a China, passando pelo Irã, Afeganistão, Paquistão e Índia. Menciona inscrições em hebraico encontradas na Índia e em aramaico no Paquistão. A maior descoberta, entretanto, refere-se ao povo da Cachemira, cuja fisionomia, hábitos, tradições e língua denotam ainda hoje sua origem israelita. A língua, em especial, difere de todos os idiomas falados na Índia, que derivam do sânscrito, e guarda grande parentesco com o hebraico, principalmente o vocabulário empregado pelo povo no dia a dia.

Todos esses povos ali encontrados se dizem descendentes das tribos de Israel, embora tenham o islamismo por religião. É que, a partir do século VII, todos eles foram convertidos a força à religião muçulmana. Só a partir de então é que se poderia começar a falar das tribos de Israel como “perdidas”. Antes, não. Portanto, no século I, durante a vida de Jesus, elas não estavam tão perdidas assim. Muito pelo contrário. É nesse contexto que Holger Kersten vai situar a passagem de Jesus pelo Oriente, onde ele deve ter se sentido inteiramente em casa e não em terra estrangeira.

Foi para mim uma agradável surpresa ter me deparado com a reportagem da revista “Morashá” de dezembro de 98, sobre pesquisa que vem sendo feita pelo rabino Eliahu Avihail desde 1960, comprovando a existência dos descendentes das tribos de Israel no Oriente, que guardam ainda muitos costumes típicos de seus antepassados. A certa altura, diz aquela revista:

“Alguns historiadores afirmam que todos os habitantes da Cachemira, no norte da Índia, são descendentes de judeus convertidos ao islamismo. O rabino Avihail fez duas viagens à região e confirmou a existência de muitos costumes que lembram o judaísmo. Entre eles, o ato de ascender velas e usar barba e peiot”.

Tirante a imprecisão do termo “descendentes dos judeus” que, no caso, deveria ser “descendentes dos israelitas”, tudo o mais parece confirmar as conclusões de Holger Kersten.

As pesquisas de documentos indicam que Jesus esteve no Oriente por, pelo menos, duas vezes: na juventude, antes de seu ministério público, e depois da “ascensão”, descrita no início do livro de Atos. Sua passagem por lá na juventude está registrada num documento encontrado, pela primeira e última vez, pelo historiador russo Nicolai Notovitch, no fim do século XIX. Faz parte da biblioteca de um monastério budista, zelosamente guardado pelos lamas [melhor dizendo, escondido por eles, que não parecem ter maior interesse em que os ocidentais tenham acesso ao documento]. O monastério situa-se em Himis, a 40 quilômetros de Leh, capital do Ladakh [“Pequeno Tibete”].

Quanto à sua segunda estada por lá, ela começa depois da sua “ascensão”, entendida aqui como poder de levitação, que Jesus dominava [Mt 14,22-33; Mc 6,45-52; Jo 6,16-21], bom yogue que era.

Seu encontro com Paulo de Tarso anos depois às portas de Damasco, onde Jesus orientava um círculo essênio dirigido por Ananias [At 9,1-19], as histórias de Santo Issa, incorporadas pela tradição muçulmana em todo o Oriente,  os evangelhos apócrifos dão notícia de sua volta à Índia em companhia de Tomé, passando por Taxila, no atual Paquistão; o mais importante, o seu túmulo nas proximidades de Sri Nagar, capital da Cachemira, guardado até hoje por sacerdotes muçulmanos –  isso dá testemunho de outra versão da vida de Jesus, diferente da do Credo de Nicéia.

Sua passagem pelo Oriente parece ligar-se às escolas de sabedoria, cujos integrantes ficaram conhecidos como sufis. São anteriores ao islamismo, conforme reconheceu o próprio Maomé, ao afirmar que “aquele que houve a voz do povo sufista e não diz amém, é lembrado na presença de Deus como um insensato”, da mesma forma como já havia conclamado seus seguidores a respeitar “o povo do livro”, isto é, judeus e cristãos.

Os descendentes das tribos de Israel, sob a orientação de Jesus, bem podem estar na origem de tais escolas esotéricas, de que as igrejas cristãs no Ocidente seriam tão somente uma versão mais popular ou exotérica. Na realidade, as tribos perdidas estariam cumprindo um designo secreto de Deus. O fracasso do reino de Israel seria só aparente, pois permitiu bênçãos muito maiores em prol da humanidade. À esses círculos fora da Palestina parece referir-se o Evangelho, quando diz: Tenho outras ovelhas que não são desse aprisco…[Jo 10,16]; Na casa de meu Pai há muitas moradas…[Jo 14,2]; ou, Não fui enviado senão às ovelhas perdidas da casa de Israel [Mt.15,24].

Essa versão da vida de Jesus questiona os dogmas instituídos a seu respeito pela Igreja. Em compensação, realça-lhe o papel de grande instrutor da humanidade, exercendo seu ministério em diversas partes do mundo. Um Avatar, diriam os hindus. Um Bodhisattwa, os budistas. Uma nova encarnação de Zaratustra, os seguidores de Zoroastro. Um Messias, os judeus. Sim, um Messias no sentido judaico, sem o sentido de endeusamento e monopólio da salvação que a palavra tomou nas igrejas cristãs. Lembramos que a tradição dos rabinos fala de dois messias: o de Aarão e o de Davi.

Chamamos a atenção ainda para a “coincidência” da realização do concílio de Harã ([cidade homônima de Harã da Mesopotâmia, mas localizada nas proximidades de Sri Nagar, na Cachemira], no final do século I, que resultou na fundação da escola Mahayana e que redirecionou o próprio budismo, tendo o ideal do bodhisattwa como sua característica principal. Sua marca mais importante: a compaixão [O bodhisattwa, para os budistas, é aquele que abre mão de entrar no nirvana e volta para ajudar todos os seres a atingir a iluminação, isto é, a salvação]. Existe algo mais próximo da mensagem de Jesus do que isto? O túmulo de Jesus encontra-se exatamente em Harã e, segundo uma antiga tradição oral conservada pelos muçulmanos da Cachemira, Jesus viveu lá até os 120 anos de idade.

Deixamos para o final o comentário mais relevante para os judeus: a versão da ressurreição, segundo a qual Jesus não morreu na cruz, mas sobreviveu à crucificação [Versão não-oficial que sempre existiu, conhecida por heresia doucetista e que foi mais tarde encampada pelos muçulmanos – Alcorão 4,157]. Como os yogues que se deixam enterrar por vários dias, ele entrou num transe profundo e pôde recuperar-se no sepulcro, nas proximidades do Calvário, que fora adquirido por seu discípulo secreto e membro do Sinédrio, José de Arimatéia, com aquela finalidade. Existem hoje vários indícios que sustentam essa tese, inclusive as narrativas dos próprios evangelhos canônicos, que podem ser interpretadas nesse sentido. Sua comprovação provocaria a maior revolução religiosa dos últimos dois mil anos e livraria os judeus da grande acusação que pesou sobre eles durante todo esse tempo: a de que eles mataram Jesus.

Revista de Estudos Judaicos
Instituto Histórico Israelita Mineiro
dezembro de 1999

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