quarta-feira, 6 de julho de 2011

MANUSCRITOS DO MAR MORTO PERMITEM ENTENDER JESUS

Em 1947, o beduíno Muhammad achou em jarros de argila os primeiros pergaminhos dos Manuscritos do Mar Morto, uns dos mais importantes relatos que remetem à era bíblica. De 1947 até 1956, cerca de 850 pergaminhos, que trazem descrições da vida religiosa da época, foram encontrados nas cavernas de Qumran.

"Os manuscritos não provam nem negam a fé em Cristo. Permitem entender Jesus em seu meio natural. Permitem que os cristãos se aproximem de Jesus, do Jesus da história", disse à Folha Adolfo Roitman, curador dos Manuscritos do Mar Morto do Museu de Israel em Jerusalém. Ele veio a São Paulo para fazer palestras sobre os documentos, com apoio do Instituto Plural. Leia os principais trechos da entrevista.

Folha - Todos os manuscritos já foram traduzidos e publicados?

Adolfo Roitman - Entre 90% e 95%. A série de Oxford é a publicação oficial dos manuscritos.

Folha - Especialistas não chegam a um acordo sobre questões básicas como quem redigiu os manuscritos- em hebraico, aramaico e grego- ou exatamente quando eles foram escritos, além da discussão em torno do significado... Qual a versão do museu?

Roitman - Há aproximadamente 30 mil volumes, livros e artigos, sobre o tema. O museu pretende refletir o consenso dos pesquisadores. A teoria de consenso opina que estamos diante de um grupo dos essênios, não todos, mas uma comunidade pequena, com no máximo 150 pessoas. Provavelmente eram essênios, um dos grupos do mundo judaico antigo. Os documentos vão do século 2º a.C. até o século 1º d.C. Eu menciono em minhas conferências que há outras idéias e recomendo que sejam lidas.

Folha - O que o sr. acha da teoria de Michael O. Wise e Israel Knohl, segundo a qual parte dos manuscritos foi escrita por um messias que teria vivido antes de Cristo?

Roitman - Israel Knohl afirma que houve um messias antes de Jesus, em Qumran, identificado por ele com o nome de Menache. Aparecem alguns ecos dessa figura na literatura rabínica, e ele propõe certas reconstruções de um texto chamado Odayot. Em um dos fragmentos, havia um Hino de Autoglorificação. A discussão é: quem se autoglorifica? Um anjo? Um personagem messiânico? Um ser humano? Knohl vê que certos elementos desse texto recordam elementos da cristologia de Jesus. Cria, em meu modesto entender, um novo mito. Ele propõe que esse messias morreu durante o levante que ocorreu após a morte de Herodes, em 4 a.C. Ele argumenta que aí estão os mesmos elementos que temos na teologia de Cristo: um messias que morre, um ser humano que se autoglorifica, que assume os pecados e se auto-humilha.

Folha - Ainda é uma teoria em discussão, não foi refutada? Houve exames de datação com carbono 14 que teriam contrariado a teoria...

Roitman - A discussão ainda não acabou. Os historiadores já mostraram suas reservas. Parece-me bastante sugestivo muito do que ele disse, mas creio que, do ponto de vista histórico, da mitologia histórica, seus argumentos não são convincentes. Ele provavelmente vai escrever um novo livro para contestar as reservas

Folha - Há revelações que mudaram fundamentalmente o que se conhecia antes da descoberta dos manuscritos?

Roitman - Sim, hoje sabemos muito mais. Sabemos, por exemplo, quão complexa era a sociedade judaica 2.000 anos atrás. Podemos entender que certas maneiras de ver o judaísmo são muito diferentes de como acreditávamos que fosse o judaísmo. Antes de Qumran, a maneira de ver o mundo tinha duas fontes básicas: uma judia e outra cristã. Em ambos os casos, as fontes estavam em função do judaísmo normativo e do cristianismo normativo. Não tínhamos fontes originais. Qumran nos permite conhecer a idéia de um grupo e através dele conhecer a idéia de outros. Era uma problemática da época.

Folha - O Vaticano deveria realizar uma releitura dos Evangelhos à luz das descobertas?

Roitman - Os pesquisadores, incluindo grandes professores católicos, como Joseph Fitzmeyer, um jesuíta, não deixaram de ser cristãos. Os cristãos não crêem no mito de Jesus, mas no Jesus que existiu, nasceu, viveu, morreu e ressuscitou, segundo sua fé. Os manuscritos não provam nem negam a fé em Cristo. Permitem entender Jesus em seu meio natural. Permitem que os cristãos se aproximem de Jesus, do Jesus da história. É algo transcendental para o cristianismo e, claro, para o Vaticano. Por isso o Vaticano pediu a exibição dos manuscritos.

Folha - Há algum tipo de temor por parte do Vaticano em ver menos convergências e mais divergências entre os Evangelhos?

Roitman - Muitos dos pesquisadores são sacerdotes. Alguns anos atrás, o professor James Charlesworth, que dirige um centro teológico nos EUA, organizou um seminário que questionava exatamente isso. A idéia era pôr fim a esses medos e mostrar ao homem de fé que os manuscritos não são perigosos, permitem entender em toda sua historicidade as coisas. Os manuscritos não provam a verdade de Cristo, provam que havia crenças sobre o messias, mas a originalidade dos cristãos é que ele tinha nome e personalidade: Jesus. Os manuscritos não negam isso. Fazem entender por que Jesus foi entendido de certa maneira pelos cristãos.

Folha - Como a Intifada (levante palestino) afetou o museu?
Roitman - Houve uma queda enorme nas visitas ao museu, de pelo menos 50%.
"Os Manuscritos permitem entender Jesus",  diz curador

Folha de S.Paulo

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